Trade dress, é Preciso Perícia Para Verificar Imitação, Decide Quarta Turma do STJ
Cumpre observar, preliminarmente, que um dos temas mais atuais no que diz respeito ao direito de propriedade industrial, abarcado pela Lei nº 9.279/1996, é o chamado trade dress, ou conjunto-imagem do produto. Em outros países, como Estados Unidos, já inclusive lei específica sobre o assunto, o Lanham Act.
Atualmente no Brasil, o tema ainda não é muito conhecido, no entanto, já possui merecida atenção da doutrina especializada e já embasou decisões judiciais importantes e até mesmo polêmicas.
No Brasil, vem se tornando crescente o número de empresas que se queixam de ter a embalagem dos seus produtos ou apresentação dos seus serviços reproduzidos por outras, em sua parcialidade ou integralidade. Normalmente, quando essa reprodução é acompanhada de uma simulação da marca, com a finalidade de exploração econômica de marca não autorizada pelo titular do direito, o empresário logo procura um advogado especializado para notificar ou acionar o contrafator, “pessoa que falsifica ou imita obras alheias”, para que o mesmo cesse imediatamente a exploração ilícita de sua marca e, ainda, pague indenização pelos danos sofridos.
É sabido salientar que somente ocorre a violação ao chamado trade dress quando um concorrente não copia exatamente a marca ou o desenho industrial de outrem, mas imita sutilmente uma série de características do produto ou até mesmo o modus operandi da prestação de um serviço.
O concorrente desleal assinala seus produtos e serviços com sua própria marca ou nome empresarial, mas, com o objetivo de usufruir do bom conceito de uma empresa com maior prestígio, apresenta seus produtos ou serviços no mercado de forma igual ou semelhante a essa.
Isso, trata-se de ato de concorrência desleal, praticado através da violação do direito de uso exclusivo do “conjunto imagem” ou “trade dress”, o qual pode ser definido como o conjunto de elementos distintivos de produtos, serviços ou estabelecimentos comerciais, que fazem com que o público os identifique no mercado consumidor de modo geral.
É sabido que as empresas mais competitivas, para terem uma maior fatia do mercado, realizam pesquisas para conhecer melhor as necessidades do consumidor e procura atendê-las da melhor maneira possível. Feito isso, contratam profissionais qualificados para criar as embalagens dos seus produtos ou decorar o seu estabelecimento comercial de forma suficientemente distintiva, para que a origem do produto ou serviço seja facilmente reconhecida pelo público conquistado.
Como visto, desse modo é justo que o direito confira às empresas proteção ao conjunto de elementos característicos dos seus produtos ou serviços, o que ocorre através da repressão à concorrência desleal, tutelada pela Lei de Propriedade Industrial e por tratados internacionais ratificados pelo Brasil.
Com efeito, a Lei n°. 9.279/96, através do inciso III, do artigo n°. 195, estabelece que comete crime de concorrência desleal quem, “emprega meio fraudulento para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem“.
Nesta esteira, a Convenção da União de Paris, regulamenta a propriedade industrial e que fora ratificado pelo Brasil em 1975, consagra que “constitui ato de concorrência desleal qualquer ato de concorrência contrário aos usos honestos em matéria industrial ou comercial“.
Neste preciso momento, é sabido frisar que os processos judiciais envolvendo os direitos de propriedade industrial exigem uma especial e diferenciada atenção à atividade probatória, tendo em vista que os debates empreendidos giram em torno, sobretudo, de intricadas questões de fato.
Trata-se de um ambiente decisional no qual a prova é utilizada como base argumentativa para demonstrar tanto os limites e possibilidade da proteção patrimonial atribuída pelo direito de exclusiva, como a prática do ato ilícito contra determinado direito, o que ocorre nos casos que envolvem atos de contrafação.
Aferir se existe contrafação de marca é atividade que, em uma breve análise não exige a produção de prova pericial e a colaboração de um expert auxiliando a atividade do advogado ou do juiz. Contudo, existem casos de contrafação de marca que não se resolvem com a simplória comparação, lado a lado, entre os signos distintivos utilizados em produtos ou serviço, exigindo-se dessa forma o uso de conhecimentos especializados de outras áreas do conhecimento, como design, marketing, economia, administração, contabilidade, entre outros.
Com base neste entendimento, em recente decisão, Recurso Especial Nº 1.778.910 – SP (2016/0185736-0), a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que apenas a comparação de fotografias pelo julgador não é suficiente para verificar a imitação de trade dress capaz de configurar concorrência desleal, sendo necessária a realização de perícia técnica para apurar se o conjunto-imagem de um estabelecimento, produto ou serviço conflita com a propriedade industrial de outra titularidade.
A controvérsia analisada pelo colegiado envolveu duas empresas do ramo alimentício. Uma delas ajuizou ação indenizatória cumulada com pedido de cessação de uso, alegando concorrência desleal causada pelo pote que a outra passou a adotar para vender geleias. Disse que o vasilhame era bastante similar ao seu, o que trazia prejuízo ao consumidor.
A empresa ré sustentou que o trade dress de seu produto não se confunde com aquele dos produtos comercializados pela autora da ação. Requereu, ainda em primeiro grau, a produção de prova pericial, o que foi indeferido.
Além de entender a perícia desnecessária, a sentença julgou procedente a ação e condenou a ré a se abster de utilizar o pote.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) confirmou a sentença.
Cerceamento de defesa
A relatora do recurso no STJ, ministra Isabel Gallotti, entendeu que o indeferimento da perícia requerida caracterizou cerceamento de defesa. Para ela, a prova pericial era necessária, uma vez que o acórdão do TJSP confirmou decisão baseada apenas na observação de fotos das embalagens dos produtos alvo de questionamento.
“O conjunto-imagem é complexo e formado por diversos elementos”, disse, assinalando que a ausência de tipificação legal e a impossibilidade de registro exigem que eventuais situações de imitação e concorrência desleal sejam analisadas caso a caso.
“Imprescindível, para tanto, o auxílio de perito que possa avaliar aspectos de mercado, hábitos de consumo, técnicas de propaganda e marketing, o grau de atenção do consumidor comum ou típico do produto em questão, a época em que o produto foi lançado no mercado, bem como outros elementos que confiram identidade à apresentação do produto ou serviço”, afirmou.
A ministra citou diversos precedentes da Terceira Turma no sentido de que, para caracterizar concorrência desleal em embalagens assemelhadas, é fundamental a realização de perícia capaz de trazer ao juízo elementos técnicos imprescindíveis à formação de seu convencimento.
Processo anulado
Segundo Gallotti, a questão em análise é jurídica, pois o recurso não buscou o reexame de provas, mas um pronunciamento do STJ a respeito da necessidade ou não da prova pericial.
“Pede-se, isso sim, pronunciamento a respeito da admissibilidade do meio de prova de que se valeu a corte a quo, mera comparação visual de fotografias das embalagens. A errônea valoração da prova sindicável na via do recurso especial é aquela que ocorre quando há má aplicação de norma ou princípio no campo probatório, o que ocorre no caso”, explicou.
De acordo com a relatora, ao decidir com base em comparação feita a partir das fotos, o TJSP dispensou os subsídios que a perícia poderia trazer a respeito dos elementos probatórios que auxiliariam no julgamento.
Ao dar provimento ao recurso, a Quarta Turma anulou o processo desde a sentença e deferiu o pedido de produção de prova técnica, determinando o retorno dos autos à origem.
Assim sendo, como advogado empresarial, compreendo que, quando uma empresa desconhecida, ao industrializar seus produtos, reproduz, total ou parcialmente, embalagem de produto de uma empresa reconhecidamente prestigiada, é evidente que esses produtos poderão causar confusão no mercado, fazendo com que o consumidor adquira os produtos contrafeitos, achando que está levando o produto da empresa original. Ademais, o mesmo ocorre quando um restaurante adota decoração idêntica de empresa concorrente.
É muito importante esclarecer, que a empresa que pretende findar sua marca no mercado atente-se na proteção de sua marca e que essa proteção requer que a empresa original tenha apresentação diferenciada e peculiar, como é o caso por exemplo, das lojas da rede McDonald’s.
Outro caso muito conhecido de disputa judicial em que se discutiu a violação ao trade dress foi o que envolveu a Mr. Cat contra a Mr. Foot, neste caso, a Mr. Cat foi acusada de imitar as embalagens, a arquitetura das lojas Mr. Foot, outro caso conhecido também foi o caso do Spoleto contra o Gepeto, este teve que repaginar seu estabelecimento após ser acusado de imitar o layout da empresa concorrente.
Diante do exposto, não posso deixar de externar minha opinião sobre o assunto, que obviamente é contrária ao pensamento dominante. Essas decisões, em suma, de modo algum estão próximas de proteger os consumidores, mas sim os prejudicarem, porque impedem que empresas sofram concorrência de “imitadores”, e diminuição de concorrência é algo que jamais pode ser benéfico para o consumidor.
Essa prática ilícita, caracterizada como ato de concorrência desleal, pode e deve ser reprimida pela empresa titular do direito, uma vez que a confusão além de ludibriar o consumidor, desvia sua clientela e, consequentemente, causa-lhe dano material de grande vulto.
Nesse caso, deve o empresário proceder à notificação extrajudicial, através da qual, fundamentadamente, solicita a cessação dos atos de concorrência desleal. Tal pedido não sendo atendido, a providência judicial cabível é a propositura de ação indenizatória, através da qual a empresa prejudicada deve pleitear o ressarcimento pelos danos sofridos, além de liminar que determine a abstenção imediata da prática ilícita.
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