Responsabilidade dos bancos sobre prejuízos decorrentes de crimes
O crime de extorsão mediante sequestro se tornou uma modalidade lucrativa à marginais que em poucos minutos conseguem realizar diversas operações bancárias utilizando muitas vezes o próprio celular da vítima e as suas senhas bancárias obtidas sob ameaça.
Muitas vítimas buscam junto as instituições financeiras a mitigação do prejuízo suportado havendo uma relevante discussão sobre qual seria a responsabilidade das instituições financeiras sobre ilícitos cometidos utilizando os seus meios de tecnologia considerando o seu dever de oferecer um serviço adequado, seguro e que atenda às diretrizes da política nacional de consumo estabelecida na Constituição federal e reproduzida no Código de Defesa do Consumidor.
Deste modo, caso a fraude cometida deixe rastros identificáveis à instituição financeira essa deverá ser responsabilizada pelo prejuízo decorrente do ilícito, pois, assim como qualquer fornecedor que disponibiliza produtos ou serviços no mercado de consumo, esta tem responsabilidade pelos riscos inerentes à sua atividade e o dever de reparar eventuais danos provenientes de vícios ou defeitos que colocam em risco a saúde, a segurança e a integridade dos consumidores.
DA RELAÇÃO DE CONSUMO
A lei 8.078/90, popularmente conhecida como Código de Defesa do Consumidor, estabelece as diretrizes tomadas pela política nacional de consumo em sintonia com princípios constitucionais prestigiando a livre iniciativa, mas também, protegendo o consumidor como parte reconhecidamente vulnerável e sujeita à abusividades no mercado de consumo.
Nesse sentido, estabelece o artigo 14º do referido diploma legal que o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos, ou seja, o entendimento que se extrai é que o fornecedor deve zelar pela segurança de seus serviços aprimorando a sua prestação a fim de que seja possível atender às necessidades dos consumidores.
Assim, é evidente que as instituições financeiras tem responsabilidade objetiva decorrente da lei e deve indenizar aos consumidores eventualmente lesados por vícios ou defeitos resultantes da prestação de serviço.
DA NEGATIVA DE INDENIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS
As instituições financeiras frequentemente negam a justa indenização aos seus clientes em casos de golpes e fraudes praticados fora do ambiente bancário alegando com sucesso nas cortes superiores de nosso país que ocorrido se trata de um problema relativo à segurança pública e, portanto, um fato de responsabilidade exclusiva de terceiro, art. 14, § 3º do CDC, assim, argumenta que se for obrigado à arcar com a justa indenização do consumidor vítima de ato ilícito estaria assumindo um risco muito maior do que aquele já inerente ao exercício de sua atividade empresarial.
DAS AÇÕES DO PODER LEGISLATIVO E JUDICIÁRIOS SOBRE O TEMA
Diante do crescente número de vítimas dessa modalidade criminosa, há em algumas localidades medidas tomadas por governantes locais para coibir este tipo de ilícito na tentativa de tornar o mercado de consumo mais seguro.
Como exemplo a ser seguido, a lei nº 16.582/09 do estado de Goiás estabelece como medida de segurança e proteção patrimonial nas relações de consumo que as empresas, estabelecimentos comerciais e financeiros, nas transações com cartão de crédito, devem exigir obrigatoriamente no ato de pagamento a apresentação de documento de identidade e a assinatura do titular no respectivo comprovante da transação realizada.
Nesse sentido, o fato de a lei impor ao fornecedor o dever de verificar se o titular do cartão de crédito é a mesma pessoa que realiza a compra gera ao fornecedor a obrigação de cumprir com o determinado sob pena de ter de arcar com os eventuais prejuízos resultantes de uma fraude ou transação indevida realizada em seu estabelecimento.
O poder judiciário por sua vez tem proferido decisões recentes a fim de coibir a prática desses ilícitos e responsabilizando as instituições financeira que apresentam falhas na prestação de serviço.
Em Minas gerais uma senhora foi vítima de um sequestro relâmpago, e sob ameaça, obrigada a sacar quantias de sua conta corrente e poupança totalizando R$ 49.000,00, em razão disso, teve de contratar um empréstimo consignado no valor de R$ 24.280,00 e acabou inadimplente tendo seu nome incluso em cadastro de restrição ao crédito. Ajuizada a ação cabível, o juiz da 3ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte detectou os abusos contidos naquela relação de consumo e determinou que o Itaú deveria declarar nulo o empréstimo feito, devolver as parcelas descontadas da conta da autora e ainda pagar indenização de R$ 25 mil por danos morais.¹ (Processo nº 5071809-60.2017.8.13.0024)
No Mato Grosso o cliente da instituição financeira banco recebeu uma mensagem por WhatsApp de um amigo seu que aparentemente solicitava ajuda financeira para efetivar um depósito bancário no valor de R$2 mil na conta de uma terceira pessoa desconhecida deste. Pouco tempo depois este percebeu que havia caído em um golpe e logo tratou de realizar o boletim de ocorrência. Posteriormente, o cliente foi até a agência bancária e solicitou o bloqueio do valor transferido, sendo prontamente atendido pelo gerente da conta, um “processo de constatação” foi aberto. No entanto, decorridas 72 horas, o banco deu por concluído o procedimento administrativo com resultado desfavorável para o cliente. Diante da negativa, foi ajuizada a ação cabível para judicialmente pleitear o ressarcimento dos valores.
O banco alegou que se tratava de uma obrigação impossível de ser cumprida, visto que o valor a ser restituído foi sacado antes do pedido de bloqueio da conta. No entanto, a desembargadora Marilsen Andrade Addário, relatora, entendeu que estavam presentes os requisitos para a concessão da restituição do valor na conta corrente do cliente. Ela frisou que, se a fraude foi praticada por falsário, essa se deu mediante transação bancária, cuja conta foi aberta pelo próprio banco recorrente, “sem se certificar se as transações financeiras por si permitidas, entre agências sob sua responsabilidade, podem ser utilizadas para golpes em seus clientes”. (Processo 1006336-59.2019.8.11.0000)
Por fim, há ainda um exemplo de decisão favorável ao consumidor proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em novembro de 2020. No caso, o pedido de ressarcimento negado administrativamente obteve êxito em seu pleito judicial, pois, conforme bem apontado pela meritíssima relatora, Rosana Moreno Santiso, houve claro defeito na prestação do serviço dada a caracterização de transações inidôneas não detectadas pela instituição financeira de diversas compras realizadas com intervalo de apenas 2 minutos e na mesma maquineta, arrematando que isto destoava absolutamente do perfil de compras daquele consumidor.(Processo 0000911-81.2020.8.26.0011)
CONCLUSÃO
Deste modo, conclui-se que seria possível a redução destes crimes se a exemplo do Estado de Goiás houvesse uma legislação vigente capaz de obrigar ao lojista que solicitasse ao consumidor um documento de identificação no ato da compra, contudo, mesmo na ausência da lei, nada impede que os fornecedores, zelando por sua segurança peçam o documento a fim de evitar problemas futuros.
Infelizmente, os consumidores que eventualmente forem vitimas de um “sequestro relâmpago” raramente terão os seus anseios atendidos administrativamente haja vista que o principal argumento das instituições financeiras é atribuir a culpa pelo prejuízo exclusivamente à terceiro alheio a relação de consumo.
Por outro lado, o consumidor que se sentir lesado pela negativa da instituição financeira deve procurar a resolução judicial do problema, pois, considerando que estas instituições são prestadoras de serviços no mercado de consumo e, para tanto, devem apresentar padrões de segurança e confiabilidade, sob pena de ser responsabilizado objetivamente pelos danos eventualmente causados.
Danylo Meo Manço. Pós Graduado em Direito Contratual. Advogado do escritório Wander Barbosa Advogados