Provimento Nº 83 de 14/08/2019 determina aos cartórios á reconhecer filiação socioafetiva para pessoas acima de 12 anos.

Por Dr. Wander Barbosa em

Cumpre elucidar que anteriormente, em 17 de novembro de 2017, o CNJ já havia publicado o Provimento 63, no qual, dentre outros temas, tinha por objetivo o procedimento de reconhecimento de filiação socioafetiva, perante os Ofícios do Registro Civil das Pessoas Naturais.

Alguns estados já realizam o reconhecimento extrajudicial da “paternidade” socioafetiva mediante a edição de normativos próprios, com a publicação do Provimento 63/2017 do CNJ, a possibilidade de que o reconhecimento da filiação socioafetiva passou a ser efetivado nos cartórios do registo civil de qualquer unidade federativa, uniformizando o seu procedimento.

Todavia, é natural que surjam questionamentos e críticas que servem para firmar interpretações, bem como servem para o aperfeiçoamento de nova ordem normativa.

Com o advento do Provimento 63/2017, os requisitos para a concessão ao reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva eram deferidos dentro das seguintes condições:

I – Requerimento firmado pelo ascendente socioafetivo (nos termos do Anexo VI), testamento ou codicilo (artigo 11, parágrafos 1º e 8º, do Provimento 63/2017 do CNJ);

II – Documento de identificação com foto do requerente – original e cópia simples ou autenticada (artigo 11 do Provimento 63/2017 do CNJ);

III – Certidão de nascimento atualizada do filho – original e cópia simples ou autenticada (artigo 11 do Provimento 63/2017 do CNJ);

IV – Anuência pessoalmente dos pais biológicos, na hipótese do filho ser menor de 18 anos de idade (artigo 11, parágrafos 3º e 5º, do Provimento 63/2017 do CNJ);

V – Anuência pessoalmente do filho maior de 12 anos de idade (artigo 11, parágrafos 4º e 5º, do Provimento 63/2017 do CNJ);

VI – Não poderão ter a filiação socioafetiva reconhecida os irmãos entre si nem os ascendentes (artigo 10, parágrafo 3º, do Provimento 63/2017 do CNJ);

VII – Entre o requerente e o filho deve haver uma diferença de pelo menos 16 anos de idade (artigo 10, parágrafo 3º, do Provimento 63/2017 do CNJ);

VIII – Comprovação da posse do estado de filho (artigo 12 do Provimento 63/2017 do CNJ).

Já no que diz respeito á comprovação da posse do estado de filho

O artigo 12 do Provimento 63/2017 do CNJ previa que “suspeitando de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade, simulação ou dúvida sobre a configuração do estado de posse de filho, o registrador fundamentará a recusa, não praticará o ato e encaminhará o pedido ao juiz competente nos termos da legislação local”.

Desse modo, além do requisito da manifestação de vontade do requerente, dos pais biológicos e do filho maior de 12 anos, a referida norma passou á impor ao oficial de registro a necessidade de observar a configuração da posse de estado de filho como condição indispensável à caracterização da filiação socioafetiva, devendo o oficial de registro verificar mais especificamente à comprovação da posse do estado de filho no tocante aos elementos do tratamento e da fama que, aliados ao requisito da manifestação de vontade, caracterizam a filiação socioafetiva.

Outrossim, com o objetivo de garantir a segurança e eficácia dos atos jurídicos, o Provimento 63/2017, já previa a exigência da apresentação dos seguintes documentos:

  1. Certidão de casamento ou instrumento de reconhecimento de união estável, referente ao pretenso ascendente socioafetivo e a mãe ou pai biológico – tractatus;
  2. Declaração de duas testemunhas, parentes ou não, que atestem conhecer o requerente e o filho, reconhecendo entre eles a existência de relação afetiva de filiação – reputatio.

Cumpre esclarecer, que a mera existência de casamento ou união estável entre um dos pais biológicos e o padrasto ou madrasta não é considerada de certo modo condição suficiente para caracterizar o vinculo da filiação socioafetiva, no entanto, diante de algumas observações que apontaram que há um relação familiar entre o padrasto ou madrasta e o filho, que por sua vez configuram o elemento do tratamento ‘tractatus”.

Ademais, a declaração de duas testemunhas que atestem conhecer publicamente a relação de filiação socioafetiva, evidencia o elemento da fama “reputatio”, que acrescidos à manifestação da vontade, demonstrando-se assim a existência de filiação socioafetiva.

Por conseguinte, já no que diz respeito á possibilidade da anuência por procuração, o provimento anterior, elencava em seu dispositivo legal o artigo 11, parágrafo 5º, estabelece que “a coleta da anuência tanto do pai quanto da mãe e do filho maior de doze anos deverá ser feita pessoalmente perante o oficial de registro civil das pessoas naturais ou escrevente autorizado”.

Diante do exposto aludido acima, como advogado de família á longas datas, atuando principalmente nos processos que envolvem habilitação para adoção, compreendo que essa determinação, além de desarrazoada, é inconstitucional, haja vista que estabelece tratamento discriminatório no reconhecimento da filiação a depender de sua origem, se biológica ou socioafetiva, uma vez que em outro provimento anterior á este, o Provimento 16/2012 do CNJ, já elucidava que reconhecimento extrajudicial da paternidade biológica, não exige que a anuência da mãe ou do filho maior seja dada pessoalmente, bastando que seja apresentado documento escrito autêntico.

Diante deste desarrazoado entendimento, como advogado, atuante no Direito de Família, dentre outras ramificações que norteiam o Direito Brasileiro, entendo ser descabido exigir que a aludida anuência seja dada presencialmente, compreendo ser injustificável que ela não possa ser realizada através da apresentação de instrumento público ou particular com firma reconhecida, no qual constem expressamente os termos da anuência, ou, ainda, através de mandatário com poderes específicos.

Por conseguinte, no que tange ao reconhecimento como ato de averbação e não de registro, com o advento do Provimento 63/2017, o requerente para solicitar o reconhecimento de filiação socioafetiva, teria de apresentar dentre outros documentos, a certidão de nascimento do filho, de maneira que o reconhecimento da filiação socioafetiva somente se dá por ato de averbação, ou seja, esse reconhecimento somente se daria após o registro de nascimento da criança.

Neste sentido, é sabido elucidar a seguinte situação que ensejou á elaboração de uma nova norma normativa, a gestante que vive uma vida conjugal com uma outra mulher, no entanto engravida e desconhece a identidade do pai biológico, assim, passados os nove meses do período gestacional, companheira da mãe biológica de posse da declaração de nascido vivo, se dirige ao cartório no intuito de registrar a criança em nome das duas mães, se vê não conseguir efetivar o devido registro de reconhecimento socioafetivo dado à exigência de duração da posse de estado de filho para a caracterização do status de filho.

Nesse contexto, seria razoável que fosse possibilitado que o reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva ocorresse já no momento do registro de nascimento, haja vista estarem presentes os requisitos de manifestação de vontade e da posse do estado de filho, uma vez que, no caso hipotético apresentado, a mãe biológica ao descobrir a gestação, talvez por motivos íntimos, dado a relação estável que já possui com outra mulher ignorou a identidade do pai biológico, por seu turno, casada, obteve assistência total de sua companheira desde os primeiros meses do descobrimento da gravidez, de modo á zelar pelo nascituro, ajudando no seu cuidado, acompanhando exames médicos, estabelecendo uma relação de amor, enfim, agindo com se o filho, também, fosse seu.

Outrossim, o Provimento 63/2017, também já previa a possibilidade da averbação da multiparentalidade diretamente no cartório.

Neste sentido, a jurisprudência atualmente já vem firmando o entendimento de que é possível a coexistência da filiação biológica com a socioafetiva, de modo que no assento de nascimento de determinada pessoa pode constar dois pais e uma mãe ou duas mães e um pai, por exemplo.

O Provimento 63/2017 do CNJ trouxe relevante inovação ao permitir o reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva, sem exclusão da biológica.

Nesse sentido, o artigo 11, parágrafo 3º, do Provimento 63/2017 do CNJ, reza que “constarão do termo, além dos dados do requerente, os dados do campo filiação e do filho que constam no registro, devendo o registrador colher a assinatura do pai E da mãe do reconhecido, caso este seja menor”. Ao passo que, o artigo 11, parágrafo 5º, da referida norma, prevê que “a coleta da anuência tanto do pai quanto da mãe e do filho maior de 12 anos deverá ser feita pessoalmente perante o oficial de registro civil das pessoas naturais ou escrevente autorizado”.

Esclarecendo por fim esta questão o artigo 14 do Provimento 63/2017 do CNJ estabelece que “o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva somente poderá ser realizado de forma unilateral e não implicará o registro de mais de dois pais ou de duas mães no campo filiação no assento de nascimento”.

Por último, no que se refere á diferença de idade entre o ascendente socioafetivo e o filho, resta dizer que apesar do artigo 10, parágrafo 4º, do Provimento 63/2017 do CNJ, exigir uma diferença mínima de idade de 16 anos, entre o requerente e o filho a ser reconhecido, é provável que em determinadas situações, através da via judicial, essa regra seja mitigada, a exemplo do que já ocorre em casos de adoção, em que a jurisprudência tem flexibilizado o entendimento acerca da idade mínima, priorizando o vínculo da filiação.

Nesta análise, em recente publicação de novo provimento normativo, Provimento Nº 83 de 14/08/2019, que tem por objetivo alterar a Seção II, que trata da Paternidade Socioafetiva, do Provimento n. 63/2017, o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, assinou provimento que define idade para reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva.

Pelo texto, a filiação socioafetiva em cartórios será para pessoas com mais de 12 anos.

O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoas acima de 12 anos será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais.

Anteriormente, esse reconhecimento voluntário era autorizado para pessoas de qualquer idade. Segundo o ministro, o registrador deverá atestar a existência do vínculo afetivo da paternidade ou maternidade socioafetiva mediante apuração objetiva por intermédio da verificação de elementos concretos.

Pelo provimento, o requerente demonstrará a afetividade por todos os meios em direito admitidos, bem como por documentos, tais como:

  1. Apontamento escolar como responsável ou representante do aluno;
  2. Inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de previdência;
  3. Registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar;
  4. Vínculo de conjugalidade – casamento ou união estável – com o ascendente biológico; entre outros.

A ausência desses documentos não impede o registro, desde que justificada a impossibilidade pelo registrador, que deverá atestar como apurou o vínculo socioafetivo. Os documentos colhidos na apuração deverão ser arquivados juntamente com o requerimento.

Consentimento

Outra alteração realizada pelo novo provimento diz respeito a idade para que o filho possa dar o seu consentimento. No novo normativo, se o filho for menor de 18 anos, o reconhecimento da filiação socioafetiva exigirá o seu consentimento. No provimento anterior, esse consentimento era para filho maior de 12 anos.

Atendidos os requisitos para o reconhecimento da maternidade ou paternidade socioafetiva, o registrador deverá encaminhar o expediente ao representante do Ministério Público para parecer. Se o parecer for favorável, o registro será realizado. Se for desfavorável, o registrador comunicará o ocorrido ao requerente e arquivará o requerimento.


Dr. Wander Barbosa

Wander Barbosa, CEO do escritório Wander Barbosa Sociedade de Advocacia. Master Of Law Direito Empresarial. Pós Graduado em Direito Civil e Processo Civil. Pós Graduado em Direito Penal. Especializado em Recuperação Judicial e Falências pela Escola Paulista da Magistratura.

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