PRINCÍPIO MAJORITÁRIO NAS DELIBERAÇÕES SOCIAIS
ÁREA DO DIREITO: Sociedades Limitadas, proteção sócio minoritário, deliberações sociais.
I – INTRODUÇÃO
A sociedade é gerida nos termos e limites de seus objetivos sociais. As decisões, portanto, são tomadas por meio das pessoas naturais nela investida por meio de seu Contrato Social e que confere a determinada pessoa ou grupo a legitimação para tomada de decisões que atendam ao interesse da empresa.
A união dos sócios – por vezes, reunidos formalmente num órgão, a assembleia geral – corresponde às pessoas investidas na função de definir a vontade geral da sociedade. Nesta definição, em vista do princípio majoritário, prevalecerá a vontade ou o entendimento da maioria.
2 – NATUREZA DO PRINCÍPIO MAJORITÁRIO
Entretanto, cumpre aclarar que, o princípio majoritário no direito societário não é democrático. Sobre o tema, as lições de Fábio Ulhôa Coelho[1]:
Pelo contrário, quando se fala em maioria, não se está necessariamente prestigiando a vontade ou o entendimento da maior quantidade de sócios. Se fosse democrático, o princípio majoritário adotaria a fórmula um sócio, um voto; mas não é assim. A maioria, no campo do direito societário, está invariavelmente associada ao risco assumido. Quanto maior o risco que o sócio assume em determinada sociedade, maior será a sua participação nas deliberações sociais.
Deste modo, prossegue o mesmo autor enfatizando que
Deste modo, em geral, o princípio majoritário se expressa pela atribuição de poder deliberativo ao sócio proporcionalmente às quotas ou ações (votantes) tituladas. Em decorrência, numa sociedade limitada, o sócio titular de quotas representativas de mais da metade do capital social é o majoritário; e na anônima, será o acionista titular de mais da metade das ações votantes, presentes na assembleia geral. Este sócio majoritário, sozinho, pode definir a vontade da sociedade, mesmo que com ele não concordem os demais. As deliberações sociais dependem da vontade ou entendimento de outros sócios, além do majoritário, somente se previsto algum mecanismo que o assegure num acordo de quotistas ou de acionistas.
Pelo princípio majoritário, as deliberações sociais são adotadas, em princípio, pela vontade ou entendimento do sócio (ou sócios) que mais investiu na empresa e, consequentemente, assumiu maior risco, refletindo tais investimentos na quantidade de quotas titularizadas.
Nada obstante, poderá a sociedade eleger e nomear administrador por meio de estipulação em seu Contrato Social ou documento apartado, conforme disposto no art. 1.060 do Código Civil[2].
Tal possibilidade, entretanto, exige seja determinada e aprovada por quórum especial (dois terços), conforme regra contida no art. 1.061 do mesmo diploma[3].
De rigor, observar a disposição contida no artigo 1.071 do Código Civil[4], que estabelece quórum mínimo quanto à deliberação de determinados temas. Observe:
Art. 1.071. Dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias indicadas na lei ou no contrato:
I – a aprovação das contas da administração;
II – a designação dos administradores, quando feita em ato separado;
III – a destituição dos administradores;
IV – o modo de sua remuneração, quando não estabelecido no contrato;
V – a modificação do contrato social;
VI – a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do estado de liquidação;
VII – a nomeação e destituição dos liquidantes e o julgamento das suas contas;
VIII – o pedido de concordata.
Claro, portanto, que o sócio majoritário, ou seja, detentor de quotas que correspondam a 2/3 (dois terços), poderá, exclusivamente, exercer a administração ou nomear aquele que mais lhe afeiçoa, dispondo inclusive da possibilidade em promover sua destituição, conforme previsão contida no artigo 1.063 do CC.
Portanto, o princípio majoritário nas deliberações sociais é revestido de legalidade, explícito e específico.
3. PROTEÇÃO AO SÓCIO MINORITÁRIO
Relativamente ao sócio minoritário[5], sua importância não é ignorada. É atribuído ao sócio majoritário a incumbência de ser o intérprete do interesse social. Quanto aos demais sócios, a lei não descuida dos interesses e direitos a eles previstos, dando-lhe a correta e justa participação.
Entretanto, o princípio da proteção do sócio minoritário limita o princípio majoritário. Por meio de instrumentos disponibilizados aos minoritários, como os direitos de fiscalização e de recesso, a lei impede que o majoritário acabe se apropriando de ganhos que devem ser repartidos entre todos os sócios, existindo e postos à disposição destes mecanismos eficazes a garantir o cumprimento das obrigações sociais em sua plenitude.
Conclui-se, portanto, que o sócio minoritário é aquele que está em uma situação de virtual vulnerabilidade perante o(s) sócio(s) controlador(es).
Entretanto, essa posição de vulnerabilidade não impede o exercício abusivo de sua posição, valendo-se, portanto, de direitos concedidos pela lei para a proteção quanto ao abuso do poder de controle exercido pelo sócio controlador.
O abuso de minoria1 caracteriza-se na possibilidade de sócios minoritários valerem-se de sua posição para a prática de atos abusivos, seja lesando o dever de lealdade inerente à posição de sócio e/ou pela desconsideração do interesse da sociedade na sua atuação perante a sociedade[6].
Como se perceberá, o abuso de minoria surge de um direito lícito do sócio minoritário, mas que este desvirtua em busca de interesses mesquinhos ou simplesmente com a intenção de prejudicar a sociedade e, consequentemente, o sócio, ou sócios majoritários[7].
Em ponderação lato sensu, o abuso dos sócios minoritários pode ser positivo ou negativo. O primeiro se caracteriza como iniciativas abusivas do(s) sócio(s) minoritário(s), quando, se valendo de direitos e/ou poderes atribuídos pela lei ou contrato social, atuam infringindo o dever societário de lealdade ou o interesse social. Já o abuso negativo se caracteriza pelo bloqueio desses sócios de deliberações e/ou operações da sociedade.
Uma das hipóteses possíveis para tais abusos, ocorre quando a maioria está impedida de deliberar, ficando a cargo dos sócios minoritários a realização de tal ato.
Este cenário propicia inúmeras possibilidades para atuação abusiva dos sócios minoritários, levando em consideração o fato de que, apesar de a maioria poder estar presente no conclave, a minoria “poderá impor a sua vontade, desde que, no todo ou em parte, esteja a maioria impedida de votar determinada matéria”[8]
Conforme disposto na lei civil, nas sociedades limitadas, nenhum sócio, por si ou na condição de mandatário, poderá votar nas deliberações que lhe dizem respeito (art. 1.074, § 2º, do CC), ou seja, são diversas hipóteses em que o sócio controlador poderá se encontrar impedido de votar.
Em que pese ser uma regra essencial para a proteção tanto dos demais sócios quanto da própria sociedade, esta regra pode também ensejar a conduta abusiva dos sócios minoritários, pois o sócio minoritário terá literalmente o poder de voto nas mãos, impondo a sua vontade, a qual não necessariamente estará de acordo com o interesse social.
Dessa forma, como leciona Marcelo Vieira von Adamek[9], o sócio prejudicado pela atuação minoritária abusiva poderá se valer dos remédios processuais adequados para invalidar o ato lesivo, sem prejuízo da responsabilidade ilimitada dos sócios pelo voto abusivo, como disciplina o art. 1.080 do Código Civil.
4. CONCLUSÕES
Nada obstante vigente, válido e eficaz o princípio majoritário das deliberações sociais, a existência do affectio societatis deve prevalecer hígido, porquanto, ainda que possa o sócio minoritário considerado a parte mais frágil da relação, ainda assim, possui elementos que lhe permitem valer-se da proteção legal a ele destinada de forma abusiva.
A proteção e conduta dos sócios, majoritários e minoritários, deve ter em foco tão somente a adoção das medidas que objetivem a consolidação da sociedade quanto ao seu direcionamento voltado a perenidade e ao pleno atendimento às finalidades sociais, cumprindo assim sua função social em toda plenitude que dela se espera, traduzida nas ações das pessoas naturais que a representem, em maior ou menor proporção.
[1] Curso de Direito Comercial – Vol. 2 – Ed. 2022
[2] Art. 1.060. A sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado.
[3] Art. 1.061. A designação de administradores não sócios dependerá de aprovação da unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e de 2/3 (dois terços), no mínimo, após a integralização. (Redação dada pela Lei nº 12.375, de 2010)
[4] Art. 1.071. Dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias indicadas na lei ou no contrato:
[5] A expressão “sócios minoritários” abrange seu singular. O intuito é trazer a situação em que um ou mais sócios que titularizem participações societárias minoritárias exerçam abusivamente seus direitos.
[6] “Das expressões da lei permite-se concluir que o voto, para se inquinar de conflituosidade ilícita, deve ser assim interpretado de modo a impedir que determinado ato seja praticado (ou que determinada deliberação seja adotada) não apenas para ofender direta e positivamente o interesse social, como também para excluir, da sociedade, a possibilidade de usufruir vantagens ou benefícios legítimos a que ela, de outra forma, poderia se intitular.” (GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Abstenção de Voto e Conflito de Interesses. In: KUYVEN, Luiz Fernando Martins. Temas essenciais de direito empresarial: estudos em homenagem a Modesto Carvalhosa. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 689).
[7] Da perspectiva contratualista do interesse da sociedade se retirará o dever de lealdade, impondo ao sócio a obrigação de não assumir condutas prejudiciais ao interesse da sociedade ou dos outros sócios, com vista à satisfação de um interesse egoístico ou à prossecução do simples propósito de causar dano.” (BRANCO, Helder Jorge da Costa. O Abuso do Direito da Minoria Societária. Coimbra: Almedina, 2014. p. 22-23).
[8] .ADAMEK, Marcelo Vieira von. Abuso de Minoria em Direito Societário. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 191.
[9] ADAMEK, Marcelo Vieira von, 2014, loc. cit.
Wander Rodrigues Barbosa
Master Off Law (LLM) em Direito Empresarial IBMEC – São Paulo -SP.
wander.barbarbosa@wrbarbosa.com.br