Para Dispensar Funcionário, Empresa pública Deve Instaurar Processo Administrativo.
Inicialmente, cumpre observar que as empresas públicas são aquelas empresas criadas por expressa autorização legal, se constituindo de capital exclusivamente público, mas que se regem pelas normas comerciais e que são criadas para que o Estado exerça atividades de caráter econômico ou execute serviços públicos.
Vêm da administração pública indireta e são de direito privado, por serem empresas públicas, regem-se pelos ditames do Estado, que as controla, porém acompanham a dinâmica comercial vigente.
Estas empresas têm bastante semelhança com as sociedades de economia mista, mas não o são, já que as empresas públicas não admitem capital privado.
São empresas que demonstram grande relevância ao Estado, pois, são através delas, que o Estado pode exercer determinadas atividades com uma maior maleabilidade, sem estar preso tanto a aspectos burocráticos.
Como exemplos de empresas públicas, pode-se citar:
- Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
- Caixa Econômica Federal
- Companhia Brasileira de Trens Urbanos
- Empresa Brasil de Comunicação (EBC)
- Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos
- Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias
- Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares
- Serviço Federal de Processamento de dados – SERPRO
Assim sendo, no que tange a dispensa dos funcionários que trabalham para estes entes, em recente publicação, que ocorrera em 13 de fevereiro, Recurso Extraordinário 688.267-CE, no qual passou-se a discutir um tema de fundamental importância social e econômica para o Brasil, onde se foi questionado se poderia as empresas públicas e sociedades de economia mista dispensarem seus empregados sem motivação.
Frisa-se neste sentido, que em 2013 o Supremo Tribunal Federal já havia decidido que a dispensa de empregados públicos de empresas estatais prestadoras de serviços públicos só pode ocorrer desde que motivada.
De fato, foi um avanço afirmar, como ocorreu no julgamento do Recurso Extraordinário 589.998-PI, que “a dispensa do empregado de empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos deve ser motivada, assegurando-se, assim, que os princípios da impessoalidade e isonomia, observados no momento daquela admissão, sejam também respeitados por ocasião da dispensa“.
No entanto, a jurisprudência firmada, deixa implícito que a motivação é à única exigência devida pela administração empregadora, quem prescindiria de instaurar um processo administrativo e intimar o empregado para se manifestar previamente ao rompimento do vínculo de emprego.
Entretanto, como advogado atuante no Direito Empresarial e Direito do Trabalho, observo que, no que ocorre ao que tange especialmente aos empregados públicos de sociedades de economia mista e empresas públicas, a força normativa dos tratados de direitos humanos, não deixa mais espaço para posições contrárias à garantia do contraditório e da ampla defesa para aplicação de penas ou restrições a direitos, caso esse da dispensa e demissão de empregados públicos, inclusive, o tema já foi explorado em outras oportunidades, com fundamento no artigo 5º, LIV e LV da Constituição Federal.
De malgrado, nesta sede, vai-se além para demonstrar também com fundamento em normas internacionais de direitos humanos a impossibilidade de demissão, de sancionamento e desligamento de empregados públicos celetistas desde que simplesmente motivada à decisão administrativa. Desse modo, a simples motivação não serve para limitar o direito humano ao trabalho dos empregados públicos. Assim, ao contrário do que sedimentado na jurisprudência da suprema corte até agora, somente motivar a dispensa não basta e é inconvencional.
A posição afronta, quando menos, o artigo 8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Decreto 678/1992, cujas disposições não se limitam aos atos de natureza penal, mas se estendem a toda “via formal e procedimental de atuação estatal“.
A norma convencional válida e vigente no Brasil obriga a aplicação do regime processual convencional na determinação dos direitos e obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza, sendo invocar as garantias do artigo 8º, supramencionado, para as hipóteses de desligamentos e demissões de empregados públicos brasileiros.
As garantias mínimas do artigo 8.2 do também chamado Pacto de São José da Costa Rica são todas invocáveis pelo empregado público sujeito à dispensa, principalmente “comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada“, disposto no artigo 8.2, “b”, e “concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa” elucidado no artigo 8.2., “c”.
Além da Convenção Americana, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, no seu artigo 14.1, prevê o direito de toda pessoa “de ser ouvida publicamente e com devidas garantias por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil“.
Cumpre salientar que o Pacto de São José da Costa Rica, encontra-se inegavelmente em vigência no Brasil desde a edição do Decreto Executivo 592/1992. Para interpretação das normas do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, é competente o Comitê de Direitos Humanos da ONU.
Diante de exposto apresentado, pode-se observar que o artigo 8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o artigo 14 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos dos tratados e sua leitura jurisprudencial tornam obrigatórias a motivação e a abertura de processo administrativo prévio pela administração pública para demissão por justa causa ou desligamento sem justa causa de empregados públicos.
A força normativa dos tratados internacionais revoga toda norma de Direito do Trabalho, que venha a permitir a demissão ou desligamento de empregados da administração sem que lhes seja facultada a oitiva prévia.
Como visto, essa é uma garantia processual convencional que, se desrespeitada, acarreta nulidade da decisão administrativa e reintegração do empregado. Desse modo, os tribunais brasileiros não podem destoar desse entendimento, sob pena de inconvencionalidade e responsabilização internacional.
Ao final, compreendo que o uso retórico de tratados e sentenças internacionais pelo Supremo Tribunal Federal, cujo objetivo é simplesmente para reforçar a decisão já tomada, deve ser abandonado, pois, compreendemos como estudiosos do Direito interno e externo, principalmente tratados, que deve-se levar a sério as normas internacionais vigentes e a interpretação que delas faz os órgãos internacionais.
Assim, espera-se que os argumentos expostos acima sejam postos sob discussão pelos ministros no Recurso Extraordinário 688.267-CE, pois, a necessidade de processo administrativo prévio para encerramento de vínculo com empregados públicos é a solução que melhor atende os direitos humanos.
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