É vedado à cobrança de prestações de leasing após furto ou roubo do bem garantido por seguro

Por Dr. Wander Barbosa em

O arrendamento mercantil, ou leasing financeiro ou tradicional, é um tipo de contrato pelo qual uma pessoa jurídica ou natural, pretendendo utilizar determinado equipamento, comercial ou indústria, ou um certo imóvel, e consegue  que uma instituição financeira o adquira, arrendando-o ao interessado por tempo determinado, possibilitando-se ao arrendatário, findo tal prazo, optar entre a devolução do bem, a renovação do arrendamento ou  a aquisição do bem arrendado mediante um preço conforme valor residual previamente fixado no contrato, isto é, o que fica  após a dedução das prestações até então pagas.

Terceira Turma mantém vedação à cobrança de prestações de leasing após furto ou roubo do bem garantido por seguro

O leasing é contrato complexo, consistindo fundamentalmente num arrendamento mercantil com promessa de venda do bem após o término do prazo contratual, servindo então as prestações, como pagamento antecipado da maior parte do preço.

A legislação que trata especificamente do leasing, prevê diversas situações em que ocorre a desnaturação do arrendamento mercantil e caracterização de compra e venda.

Uma dessas situações é justamente o pagamento do valor residual ou a realização da opção de compra dos bens antes de terminado o prazo contratual ajustado.

 

 

No entanto, ocorre em outros casos onde em que o consumidor, têm o objeto do contrato roubado, furtado ou devolvido amigavelmente, entretanto por possuírem contratos de financiamento na forma de leasing não precisarão mais continuar pagando suas prestações.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC), disciplina este tipos de contratos e relação jurídica, deste modo, segundo o CDC, é nula a cláusula de contrato de arrendamento mercantil, o leasing, que autoriza a cobrança das parcelas a vencer na hipótese de rescisão antecipada do contrato por perda do bem sem culpa do arrendatário.

Este foi o entendimento aplicado, por unanimidade, pela suprema corte, onde os magistrados entenderam que “Tratando-se de contrato de arrendamento mercantil, o arrendante permanece dono da coisa arrendada até o final do contrato, somente sendo transferido o domínio se houver essa opção feita pelo consumidor. Desse modo, se a coisa perece por ausência de dolo ou culpa do arrendatário, não pode ser este quem irá sofrer o prejuízo, de acordo com a regra res perit domino (arts. 233 a 236 do CCB). Portanto, em caso de roubo ou furto do bem (…) não pode ser cobrado do consumidor o prejuízo do arrendante pela perda da coisa.”

Nos casos de furto ou roubo do bem objeto de arrendamento mercantil (leasing) garantido por contrato de seguro, a instituição financeira não pode cobrar as parcelas vincendas do contrato, já que nessa hipótese a arrendadora não cumpre mais com a obrigação de colocar o bem à disposição do arrendatário.

Com esse entendimento, em recente decisão, Recurso Especial Nº 1.658.568 – RJ (2017/0049852-5), a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a vedação da cobrança, conforme decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), mas deu parcial provimento ao recurso das instituições financeiras para restringir essa proibição às hipóteses de bem garantido por contrato de seguro, nos limites do pedido formulado na ação coletiva ajuizada pela Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

Segundo a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, no contrato de arrendamento mercantil (leasing), a prestação que se torna impossível de ser cumprida na hipótese de perda do bem por caso fortuito ou força maior é a do arrendador, “de modo que, pela teoria dos riscos, o contrato se resolveria e quem teria de arcar com os prejuízos da perda do bem teria de ser o arrendador, devedor da prestação que deixa de poder ser adimplida involuntariamente e sem culpa”.

Enriquecimento sem causa

A ministra destacou que o seguro é pago ao dono do bem (o arrendador, instituição financeira) e, assim, quem ficaria com o prejuízo seria o consumidor (arrendatário), que não dispõe do bem arrendado e, ainda assim, é obrigado a adimplir com as prestações vincendas do arrendamento mercantil, o que infringe o equilíbrio contratual e a correspectividade das prestações.

“Nesses termos, a perda do bem, sobretudo quando garantida por contrato de seguro, não deveria ser capaz de ensejar a resolução do contrato de arrendamento mercantil, ao menos não pelo arrendador, eis que o inadimplemento, a partir do momento do recebimento da indenização, é do arrendador, e não do arrendatário, que, até então, está adimplente com as prestações que lhe competiam”, afirmou.

Nancy Andrighi disse que a cobrança de parcelas quando o consumidor não dispõe do bem pode caracterizar enriquecimento sem causa da instituição financeira.

“É condição para que o arrendador receba a integridade do lucro que visa obter com a operação de financiamento/arrendamento que cumpra com o dever de colocar o bem à disposição do arrendatário para seu uso e gozo, sem o que não estará legitimado a cobrar pelas parcelas atinentes ao período em que o arrendatário não esteve de posse do bem”, acrescentou a relatora.

Mero locador

A ministra ressaltou que no leasing, até o exercício da opção de compra, o consumidor é locador do bem, não podendo ser qualificado como promitente comprador. A promessa de venda, relacionada a uma opção de compra, pode nem mesmo se concretizar, portanto, segundo a ministra, não é possível aplicar por analogia a norma do artigo 524 do Código Civil, que trata da compra e venda com reserva de domínio.

Tratamento equitativo

Nancy Andrighi afirmou que “a solução equitativa a ser adotada na hipótese de perda do bem garantido por contrato de seguro é aquela na qual o arrendador e o arrendatário firmem um aditivo contratual, por meio do qual prevejam a substituição do bem arrendado em decorrência da verificação de sinistro”, o que, aliás, é previsto como cláusula obrigatória nos contratos de arrendamento mercantil, nos termos do artigo 7º, VIII, da Resolução 2.309/96 do Banco Central.

A ministra destacou, por fim, que os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a limites geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, possuindo a sentença, portanto, validade em todo o território nacional.

Diante do exposto, como advogado compreendo ser aconselhável que o arrendador faça um seguro, não um seguro do contrato, mas um seguro do bem objeto do contrato.

O proprietário do bem é o arrendador, mas como existe a opção de compra, e as prestações são majoradas para atender também a isso, a destruição do bem por motivo alheio gera prejuízos ao arrendatário, podendo inclusive gerar lucro cessante, motivo pelo qual deve ser realizado um seguro, que terá obviamente seu prêmio incluso nas contraprestações.

E por fim, em caso de esbulho ou turbação da posse, e outros casos em geral, o arrendatário tem a obrigação de comunicar imediatamente ao arrendador o ocorrido, para que este possa defender sua garantia e resguardar seu investimento, ainda que o arrendatário possa fazê-lo pelas vias legais apropriadas.


Dr. Wander Barbosa

Wander Barbosa, CEO do escritório Wander Barbosa Sociedade de Advocacia. Master Of Law Direito Empresarial. Pós Graduado em Direito Civil e Processo Civil. Pós Graduado em Direito Penal. Especializado em Recuperação Judicial e Falências pela Escola Paulista da Magistratura.

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