Da Licitude das Provas Obtidas por meio de Aplicativos Eletrônicos
Diante do cenário contemporâneo caracterizado pela velocidade tecnológica e dos meios de comunicação, observamos que sociedade vêm assistindo cada vez mais inovações tecnológicas que propiciam a aproximação das pessoas através de aplicativos e redes sociais, para compartilhamento de mensagens instantâneas, textos, áudio, fotos e vídeos que tem por fim facilitar a integração entre os vários sujeitos sociais.
Decorrente da rapidez na tramitação de informações propiciada por esses meios de comunicação digitais, ocasionou uma popularização do seu uso, e consequentemente, essa facilitação vem acompanhada de uma complexização destas relações, que em certa medida ecoam substancialmente na esfera jurídica, justificando que o Direito se debruce a respeito dessas novas interações.
Dentre os mecanismos de comunicação mais conhecidos, se encontra o WhatsApp Messenger, que é um aplicativo de mensagens instantâneas para smartphones, através do qual é possível que seus usuários se comuniquem com seus contatos que também possuam esse software em seus smartphones, dispensando a realização de telefonemas ou envios de mensagens sms, como também possibilita a troca de imagens, vídeos e áudios.
Atualmente, esse tipo de fonte tem sido utilizada como meio de prova em demandas judiciais e apesar de não haver uma legislação que regule o seu uso, a jurisprudência vêm aceitando esse tipo de prova e conformando entendimentos acerca de sua utilização nas esferas do Direito Civil, Direito Penal e Direito Trabalhista.
Sobre o tema, convém, no entanto, mencionar o disposto no art. 225, do Código Civil, prevendo que as reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão.
Seu uso implica cuidados tendo em vista que as informações geradas através desse meio digital podem ser objeto de manipulação por seus usuários, como a falsificação, adulteração e supressão de seu conteúdo e históricos de conversas.
Essas provas, chamadas tecnológicas ou digitais, são lícitas, desde que seja mantida a lisura das informações ali contidas, sendo garantida assim a sua autenticidade, integridade e autoria (art. 5º, LVI, CF/88: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;”).
Assim, a exemplo de seu uso na esfera civil, as provas digitais têm sido utilizadas em ações alimentícias e impugnação de gratuidade de justiça, inclusive na concessão de alimentos gravídicos, caso julgado no TJSP, no qual fez-se presumida a paternidade e arbitrada pensão onde foram utilizadas como prova para tanto conversas travadas no Whatsapp.
Na esfera trabalhista, as mensagens dos aplicativos são usadas para caracterizar vínculo empregatício, horas extraordinárias, jornadas externa, controle de jornada, entre outros. Sobre o tema citamos, processo 0000635-55.2013.5.04.0012 RO, da 12ª Vara do Trabalho de Porto Alegre.
Por sua vez, já na esfera penal, o STJ vem admitindo que as provas digitais sejam utilizadas, todavia, dependem de autorização judicial, tendo em vista que não se pode proceder à violação aos direitos da personalidade, devassando informações de caráter pessoal.
Na situação em epígrafe, em recente julgado Processo Nº 0000196-49.2019.3.00.0000, HC nº 487777 / RS (2019/0000196-5), o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, indeferiu pedido de liminar em habeas corpus a acusado de roubo em supermercado.
A acusação utilizou imagens e conversas extraídas do WhatsApp do suspeito.
Segundo a denúncia do Ministério Público estadual, no dia 11 de abril de 2016, no município Sapiranga (RS), o paciente e mais dois denunciados, juntamente com um adolescente de 16 anos, subtraíram mais de R$ 73 mil de um supermercado e um celular, mediante grave ameaça e emprego de armas de fogo.
Na ocasião, o paciente e o adolescente renderam o gerente do estabelecimento e o obrigaram a abrir o cofre do local. As outras duas denunciadas – uma ex-funcionária do supermercado e a mãe do adolescente – passaram informações privilegiadas aos dois, uma vez que sabiam os horários do estabelecimento, além de terem conhecimento da movimentação do caixa e de onde encontrar o dinheiro.
No habeas corpus, a defesa alegou que, após o depoimento de uma testemunha, a autoridade policial apreendeu o celular do paciente e encontrou no WhatsApp conversas sobre crimes já cometidos, além de imagens que foram consubstanciadas em um relatório.
Para o impetrante, haveria ilicitude da prova, pois não houve autorização judicial ou do proprietário do aparelho para o acesso aos dados. Por isso, alegou que deveria ser aplicada a Teoria da Árvore dos Frutos Envenenados, pois todo o conjunto probatório adviria de conversas e imagens extraídas do celular.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu que não haveria ilicitude e denegou a concessão do habeas corpus ao paciente. Assim, a defesa requereu no STJ, liminarmente, o reconhecimento da ilicitude das provas, determinando a sua retirada dos autos, bem como das provas derivadas, para que fosse concedida a liberdade provisória ao paciente.
Gravidade do delito
Para o presidente do STJ, no caso, a medida de urgência confunde-se com o próprio mérito do habeas corpus e, dessa forma, “impõe-se reservar ao órgão competente a análise minuciosa das razões que embasam a pretensão depois de devidamente instruídos os autos”.
Ao citar precedente da Quinta Turma, o ministro entendeu que “os fundamentos do acórdão impugnado não se revelam, em princípio, desarrazoados ou ilegais, principalmente se considerada a gravidade concreta do delito, o que justifica a segregação cautelar como garantia da ordem pública”.
Em sua decisão, o presidente lembrou que o Supremo Tribunal Federal já afirmou ser “idôneo o decreto de prisão preventiva quando assentado na garantia da ordem pública, ante a periculosidade do agente, evidenciada não só pela gravidade in concreto do delito, em razão de seu modus operandi, mas também pelo risco real da reiteração delitiva”.
Assim, indeferiu o pedido de liminar e determinou a solicitação de informações à autoridade coatora. O mérito do habeas corpus será julgado pela Quinta Turma, sob relatoria do ministro Reynaldo Soares da Fonseca.
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