Crime de Feminicídio irá Abranger Mulheres Transexuais, Conforme Decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal
Incialmente cumpre-se observar que de acordo com uma pesquisa da Organização Não Governamental Transgender Europe, atualmente o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. É evidente que no Brasil a transfobia mata.
Diante de tal cenário, se faz de suma importância que as mulheres travestis e transexuais possam fazer uso de leis que protejam o seu gênero, tendo em vista a situação de violência extrema a que são expostas.
Diante desta análise, por sua vez, é sabido frisar que a Lei nº 13.104, de 09 de março de 2015, incluiu o inciso VI no artigo 121 do Código Penal e criou o crime de feminicídio.
Neste ínterim a intenção do legislador ao incluir a qualificadora não foi de tão somente punir mais gravosamente conduta de matar mulher, pura e simplesmente, mas sim de matar mulher em razão da condição de seu sexo feminino, caracterizando desse modo a tipificação de crime de violência de gênero.
Entretanto, conforme observado no supracitado dispositivo legal, não é expressa a previsão da aplicação do feminicídio quando o sujeito passivo é mulher travesti ou transexual, desse modo, fazendo-se necessário a avaliação de cada caso concreto para determinar se a qualificadora deve ser aplicada.
Cristalina que esta lacuna demonstra, novamente, o despreparo do legislador ao lidar com questões que envolvem mulheres travestis e transexuais. Vítimas de violência e constantemente em situações de vulnerabilidade, tendo em vista que a maioria trabalha como prostitutas devido à marginalização a que se encontram submetidas, não têm assegurada sua identidade de gênero nem mesmo quando são mortas em razão dela.
Impende salientar que o gênero feminino, considerado grupo socialmente vulnerável em decorrência de sua hipossuficiência física ou econômica, anseava por proteção específica em relações de contexto íntimo e familiar. Assim sendo, a Lei Maria da Penha “Lei 11.340/06” criou mecanismos para coibir essa violência doméstica e familiar contra a mulher.
Em seu artigo 5º, define que a lei visa coibir a violência praticada em razão do gênero da vítima, desse modo, a definição de gênero discutida em tópico ulterior demonstra que é, portanto, cabível a legislação em casos de aplicabilidade da Lei Maria da Penha quando a vítima é mulher transexual.
É muito importância frisar, que as transexuais além de sofrerem discriminação e violência por seu gênero, também são vítimas da discriminação por conta de sua identidade sexual, isto ocorre duplamente, já nas relações de âmbito doméstico, seja em familiar ou até em ambas as relações concomitantemente.
Neste breve entendimento, como advogado criminalista, compreendo ser injusto não incluir mulheres transexuais no grupo protegido pela lei, tendo em vista que muitas jovens transexuais sofrem violência doméstica que parte de seus familiares e tem origem desde a infância, por conta da inadequação ao gênero socialmente imposto.
Nesta análise, é importante esclarecer também que não se deve confundir transexualidade com a homossexualidade, onde este corresponde à orientação afetivo-sexual e se refere a quem o indivíduo é física e emocionalmente atraído, baseado no gênero da outra pessoa.
A transexualidade possui relação mais com a identidade de gênero, que é a forma como o indivíduo se identifica, é aquela pessoa que sofre uma dicotomia físico-psíquica, que possui um sexo exterior diferente daquele constante em seu psicológico.
As mulheres travestis e transexuais, portanto, assumem um papel de gênero diferente do imposto pela sociedade em seu nascimento, nascem com um sexo e negam sua construção social (gênero) que as são imputadas. As identidades trans nascem da transgressão dos padrões sociais impostos ao corpo.
O reconhecimento desta identidade de gênero garante que sejam respeitadas a dignidade da pessoa humana, a intimidade, a liberdade e o direito à cidadania.
As mulheres travestis e transexuais identificam-se com o gênero feminino e anseiam ser tratadas como as mulheres que são.
Neste sentido, em recente decisão, diante da repercussão do caso de vítima agredida em lanchonete, em Taguatinga, dentre outros casos, a 3ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TDJFT) rejeitou recurso e manteve como tentativa de feminicídio um crime cometido contra uma mulher transexual.
A decisão foi unânime.
Os suspeitos ainda serão julgados pelo crime.
Ao analisar o caso, o desembargador Waldir Leôncio Lopes Júnior entendeu que “a imputação do feminicídio se deveu ao menosprezo ou discriminação à condição de mulher trans da ofendida”.
O caso
A decisão foi tomada no caso da estudante Jéssica Oliveira, vítima de tentativa de homicídio em abril do ano passado. Ela foi agredida por quatro pessoas dentro de uma lanchonete, em Taguatinga.
O crime foi registrado por câmeras de segurança. As imagens mostram que a transexual foi atingida com socos e pontapés. Os suspeitos também usaram cadeiras e uma pedra de 3 quilos para agredir a vítima.
À época, a Polícia Civil decidiu indiciar os criminosos por tentativa de feminicídio. Foi o primeiro caso envolvendo uma transexual a ser tipificado dessa forma no DF.
Discussão na Justiça
O Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) também denunciou os acusados pelo crime e a acusação foi aceita pela Justiça. Os agressores recorreram da decisão, sob o argumento de que não poderiam ser acusados de tentativa de feminicídio, já que a vítima não é “biologicamente do sexo feminino”.
O MP, por sua vez, argumentou pela manutenção da denúncia, já que “o crime foi praticado contra mulher por razões da condição de sexo feminino, em menosprezo e discriminação à condição de mulher”.
“Dupla vulnerabilidade”
Ao decidir sobre o caso, o desembargador Waldir Leôncio Lopes Júnior diz estar ciente da “polêmica que envolve a questão”.
No entanto, segundo o magistrado, “não se pode deixar de considerar a situação de dupla vulnerabilidade a que as pessoas transgêneros femininas, grupo ao qual pertence a ofendida, são expostas”.
“Por um lado, em virtude da discriminação existente em relação ao gênero feminino, e de outro, pelo preconceito de parte da sociedade ao buscarem o reconhecimento de sua identidade de gênero”, diz o relatório.
O TJDFT já havia entendido que a Lei Maria da Penha também é válida para transexuais.
À ocasião, o tribunal julgou o caso de uma mulher trans que foi agredida pelo ex-namorado após passeio com as amigas. O ataque teria sido motivado por ciúmes.
Segundo o entendimento dos desembargadores, “uma vez que se apresenta dessa forma, a vítima também carrega consigo todos os estereótipos de vulnerabilidade e sujeição voltados ao gênero feminino, combatidos pela Lei Maria da Penha.”
Ao final, como advogado especialista em diversas ramificações do Direito, dentre elas, Direito Criminal como também de notório saber jurídico em questões relacionadas ao Tribunal do Júri, compreendo ser cristalino que o Crime de Feminicídio, diz respeito especificamente à condição de mulher, provada sua condição de vulnerabilidade no relacionamento.
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