Bens de Empresário Podem ser Executados por Dívida de Empresa Individual
Inicialmente, cumpre-se observar que o empresário individual, é toda pessoa física que exerce atividade empresarial, conforme disposto no artigo 966, do consagrado diploma legal Código Civil 2002, “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.
No que tange ao empresário individual ou de firma individual, uma vez que o patrimônio do empresário individual confunde-se com o pessoal, de sorte que este corresponde a um só conjunto de bens, cujo domínio pertence à pessoa física, mesmo que sirva à atividade empresarial exercida de forma individual, não é necessária sua desconsideração, nem para fins de penhora patrimonial, legitimidade passiva ou citação.
Portanto, nada obsta que se proceda a penhora do patrimônio da empresa individual para garantir o pagamento de dívidas contraídas pela pessoa física e vice-versa.
No caso da pessoa constituída como Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI, modalidade nova de personificação jurídica, introduzida no Código Civil vigente, pela Lei n.º 12.441/11, nos artigos 980-A e seguintes, que traz em si a particularidade de o seu sócio único, ao contrário da empresa individual, pode apenas ser responsabilizado tão-somente até o limite do capital de sua empresa.
Nesta análise, a Eireli, em sua desconsideração da personalidade jurídica, esta é medida excepcional como em qualquer sociedade limitada, dependendo da comprovação de abuso da personalidade, caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial da pessoa jurídica e de seus sócios.
Nestas linhas, sabido frisar que a legislação civil prevê proteção ao patrimônio pessoal do sócio perante as dívidas contraídas pela pessoa jurídica, dispondo que “os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais”, conforme elucidado no artigo 1.024 do Código Civil, e nesta assonância, que “os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos em lei”, conforme disciplina o artigo 795 do Código de Processo Civil.
Esta separação ocorre porque tanto a pessoa jurídica como pessoa física possuem personalidade jurídica própria, cabendo a cada uma delas administrar o seu patrimônio e responder cada qual pelas obrigações assumidas.
Ocorre que, sendo identificado o uso abusivo da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, poderá o juiz, mediante requerimento do interessado, determinar que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Ou seja, mesmo existindo previsão protetiva ao patrimônio particular dos sócios, esta blindagem poderá ser flexibilizada por decisão judicial quando ficar comprovado que a empresa atuou com abuso da personalidade.
Para situações como esta, a legislação prevê a possibilidade de a parte credora utilizar do mecanismo processual próprio, denominado incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
A decisão que acolhe a desconsideração da personalidade jurídica possui efeito de desconstituir a separação natural existente entre o patrimônio de uma empresa, representada pela pessoa jurídica, e o patrimônio de seus sócios, estas pessoas físicas, fazendo com que ambos fiquem disponíveis ao pagamento de dívidas decorrente de processos judiciais.
Este procedimento poderá ser aplicado a todas as pessoas jurídicas que cometerem as hipóteses previstas pelo artigo 50 do Código Civil, vejamos:
Art. 50. “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”
Ao contrario sensu, exclui-se desta regra às pessoas jurídicas constituídas com uma mesma massa patrimonial entre a pessoa física e jurídica, a exemplo do Empresário Individual – EI e do Microempreendedor Individual – MEI, uma vez que nestas hipóteses a extensão patrimonial é automática.
Assim, uma vez acolhida a desconsideração, a responsabilidade perante o pagamento das obrigações da pessoa jurídica será estendida ao patrimônio pessoal dos sócios, situação que deixará os bens particulares sujeitos à expropriação.
Assim sendo, como o patrimônio do empresário individual se confunde com o de sua empresa, não é preciso instaurar incidente de desconsideração da personalidade jurídica para executar seus bens.
Nesta esteira, em recente decisão, Processo Nº 1.14.0008316-4, da Comarca de Bento Gonçalves, a 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reformou despacho que indeferiu pedido de sucessão empresarial.
O relator do recurso, desembargador Guinther Spode, disse que credores podem cobrar seus créditos tanto por meio da expropriação dos bens da empresa individual quanto do empresário. Citando doutrina de Fabio Ulhoa Coelho, o desembargador explicou que o patrimônio de quem explora atividade comercial de forma individual é o mesmo da empresa. Portanto, é um patrimônio só.
“Tendo presente, portanto, a noção de que, muito embora o empresário individual constitua uma pessoa jurídica, seu patrimônio é único em relação à pessoa física titular da empresa, fica claro que não é cabível o incidente de Desconsideração da Pessoa Jurídica para inclusão da pessoa natural no polo passivo da demanda’’, agregou Spode em seu voto, dando provimento ao recurso da autora da execução.
Por fim, cumpre observar que atualmente, também há a possibilidade de ocorrer a chamada desconsideração da personalidade jurídica inversa, ocasião em que a pessoa jurídica responderá pelos débitos relacionados às pessoas físicas de seus sócios.
Neste caso, é indispensável a ocorrência de confusão patrimonial, verificando-se a fraude e o abuso de direito, comumentemente identificado quando a pessoa física utiliza-se de empresa para efetuar a movimentação financeira e aquisição de patrimônio pessoal.
A previsão na legislação de ampliar a responsabilidade patrimonial decorre da preocupação de evitar a utilização da pessoa jurídica como meio de fraude em prejuízo aos credores, servindo também como mecanismo na busca pela efetividade jurisdicional.
Como advogado empresarial atuante no Direito Societário, compreendo não existe qualquer diferença para efeito de responsabilidade entre a pessoa física e a pessoa jurídica, porquanto a empresa individual, constituída por patrimônio único, seus bens particulares respondem por quaisquer espécies de dívidas, sejam decorrentes do exercício de atividade empresarial ou não.
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