Entenda mais sobre os efeitos devolutivo e suspensivo do recurso no CPC 2015
– Como ficou a apelação cível no novo CPC, em comparação ao Código de Processo Civil de 1973, com ênfase aos efeitos devolutivo e suspensivo do recurso?
O recurso de apelação ganhou celeridade, sobretudo pela circunstância de ter sido eliminado pelo novo código o juízo de admissibilidade na 1ª instância. Além do tempo que se gastava, desnecessariamente, nesse exame feito pela instância a quo, a questão controvertida ali instalada gerava infinidade de recursos questionando os efeitos da apelação. Agora, o efeito suspensivo será automático, com exceção das hipóteses específicas elencadas pelo legislador. Se é automático o efeito, não há necessidade mais deste gargalo, cabendo ao Juiz apenas encaminhar os autos à instância superior.
Além disso, em substituição aos embargos infringentes, foi criada a técnica de julgamento do art. 942, pela qual o tribunal, havendo divergência, terá o quórum ampliado no julgamento da apelação. Essa ampliação permite a reversão do resultado do julgamento, sendo facultado ao advogado, inclusive, proferir nova sustentação oral. Comparando a nova técnica de julgamento com os embargos infringentes, verifica-se que aquela é mais abrangente, pois a divergência apta a autorizá-la poderá ser ao redor de decisões que não sejam de mérito (o CPC/73 admitia embargos infringentes no caso de divergência na apelação que reformava sentença de mérito; o CPC/15 admite a técnica de julgamento em qualquer divergência em apelação).
– O que mudou em relação aos efeitos devolutivo e suspensivo no CPC de 1973 e o de 2015?
Como já dito, o efeito suspensivo continua como regra geral. As exceções contidas no art. 1.012 CPC/15 e em leis esparsas trazem – ressalte-se – hipóteses em que não há o efeito suspensivo.
O efeito devolutivo é que ganhou ampliação indiscutível. Assim é que, por exemplo, o tribunal poderá identificar nulidades e, ainda assim, enfrentar diretamente os pontos que estão ao seu redor, sem submissão do processo à instância inferior. De igual forma, poderá o tribunal examinar matérias de mérito, inclusive provas deferidas pela instância revisora, mesmo que elas não tenham sido avaliadas pelo Juiz de 1º grau.
O novo código tornou de menor valia o princípio do duplo grau de jurisdição, de sorte que, agora, é irrelevante, a rigor, a circunstância de determinada matéria não ter sido enfrentada por instância inferior. Isso dá largueza à devolutividade da apelação, já que amplia o alcance da análise feita pelo Tribunal.
– No novo CPC, qualquer sentença desafia a interposição de apelação? Por quê?
O novo código, com clareza, optou pelo critério finalístico para conceituar os atos judiciais. Com efeito, o art. 203 e outros tantos dispositivos legais deixam evidente que será sentença o processo que coloca fim ao processo em 1ª instância e, em contrapartida, será decisão interlocutória aquela que não lhe põe termo, mas resolve questão incidental. Para a primeira situação, cabível será o recurso de apelação (art. 1.009). Já na segunda situação, cabível será o agravo de instrumento, desde que a decisão se encaixe numa das hipóteses do art. 1.015 NCPC.
Portanto, o que temos é definição clara sobre a natureza dos atos judiciais a dar segurança na escolha do recurso adequado. Nesse passo, pode-se, sim, afirmar, genericamente, que contras as sentenças caberá apelação.
O que pode surpreender, se comparado com o sistema anterior, é a circunstância de que teremos decisões interlocutórias de mérito, as quais, a despeito do enfrentamento de parte da lide, ensejarão agravo de instrumento, e não apelação. Pode-se exemplificar com a hipótese de julgamento antecipado parcial do mérito, contida no art. 356 NCPC. Ali, o juiz decidirá apenas um pedido ou parcela dele, antecipadamente. Mas o processo prosseguirá quanto aos demais pedidos ou o que for remanescente, inclusive com dilação probatória. Aquele julgamento parcial não colocará fim ao processo e, por isso mesmo, ensejará agravo de instrumento com possibilidade de liquidação e/ou cumprimento provisório da decisão (§s 1º a 5º do art. 356 NCPC).
– O recurso permanece tendo ampla devolutividade?
Como já dito, a devolutividade agora é ampliada. Não se pode desconhecer, em continuidade ao raciocínio já aqui estabelecido, que a mitigação do duplo grau de jurisdição atende ao anseio de que a justiça seja célere e oportunize, o quanto antes, julgamento de mérito.
De fato, o novo sistema processual ampliou o chamado efeito translativo dos recursos. Trata-se da possibilidade da instância recursal conhecer de matéria ainda não enfrentada na instância a quo e, sequer, veiculada no recurso originariamente. Ou seja, a alegação de supressão de instância, ínsita ao duplo grau de jurisdição, deixa de ser relevante.
Como adiantado acima, pode-se identificar tal situação, por exemplo, na permissão do código processual a que a instância ad quem, por meio de mera diligência, supra os vícios que maculam o processo, sem impor nova decisão à instância a quo (conferir art. 938 e seus pars NCPC). Especificamente quanto à apelação, o código permite que o tribunal identifique o vício formal ou o equívoco advindo da extinção do feito sem desate da lide, corrija-os e julgue “desde logo o mérito” (art. 1.013 § 3º NCPC).
No tocante às provas, partindo o legislador da premissa de que o princípio do duplo grau de jurisdição pode ser relativizado, assim estabeleceu:
O art. 933 NCPC admite a apuração e consideração de fato superveniente à decisão recorrida, devendo o relator, em tal hipótese, dar vista à parte contrária. Em outras palavras, se o fato pode vir à baila durante o trâmite do recurso, necessariamente deve-se permitir à parte interessada prová-lo, ainda que em sede recursal.
Antes disso, o mesmo código acentua ser competência do relator, de forma geral nos tribunais, “dirigir e ordenar o processo…, inclusive em relação à produção de prova” (art. 932 I NCPC).
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Mais enfática e diretamente, o art. 938 § 3º NCPC, aqui já citado, estabelece o procedimento para a produção de provas em sede recursal. Diz aquele dispositivo que, “reconhecida a necessidade de produção de prova, o relator converterá o julgamento em diligência, que se realizará no tribunal ou em primeiro grau de jurisdição, decidindo-se o recurso após a conclusão da instrução”.
Portanto, a prova, seja qual for sua natureza, pode ser produzida no tribunal ou por ordem do mesmo, sem necessidade de que a decisão recorrida seja anulada e outra proferida em seu lugar (amplo efeito devolutivo). A primazia do mérito prepondera sobre o princípio do duplo grau de jurisdição, permitindo a imediata decisão pela instância revisora. O poder inquisitivo da instância ad quem dá esta maior extensão ao efeito translativo dos recursos.
A propósito, vale acrescer que o art. 435 do novel código é cristalino ao permitir a juntada de documentos, ainda que posteriormente à petição inicial ou contestação. E, ao estabelecer tal permissão, o legislador, sem excluir a fase recursal de seu alcance, apenas exigiu, no parágrafo único do citado artigo, a justificativa da parte e a fundamentação do magistrado (sob a ótica do princípio da boa-fé).
A ressalva que cabe, a esta altura, é sobre a necessidade da instância ad quem, por força do contraditório efetivo, ouvir a parte contrária sobre a nova prova (arts. 10 e 933 NCPC). Sim, não se concebe a ideia de haver a produção de prova, sem que sobre a mesma manifeste-se a parte contrária.
– Após anos de discussão no Congresso e por meio da Doutrina sobre a necessidade da abolição do efeito suspensivo ope legis da apelação, para permitir a execução imediata da sentença, o novo CPC mantém a regra do Código de 1973. Não deveria ter ido além?
Sinceramente, penso que a opção derradeira – manutenção do efeito suspensivo – foi a melhor decisão. É que a execução imediata da sentença mesmo se pendente apelação geraria situação assustadora que sobrecarregaria os tribunais e, como consequência, traria morosidade. Refiro-me à circunstância de que, como estava na proposta que foi repudiada, o apelante poderia requerer ao tribunal o efeito suspensivo. Ora, o acesso ao tribunal facilitado pelo processo virtual e o natural inconformismo daquele que sucumbe numa única instância ensejariam automáticos e quase obrigatórios requerimentos de efeito suspensivo, que gerariam decisões monocráticas, que seriam atacáveis, de sua vez, por agravos internos. Ou seja, por conta de aparente agilidade, teríamos, isso sim, infinidade de requerimentos e recursos, fazendo com que a regra geral (efeito só devolutivo) fosse desfigurada.
A legislação, como não poderia deixar de ser, manteve hipóteses em que incidirá apenas o efeito devolutivo, como é o caso da sentença que condena ao pagamento de alimentos e aquela que decreta interdição (art. 1.012 § 1º NCPC).
Aliás, se o juiz entender que determinada situação fora desses contornos gerais é grave, basta que conceda a tutela provisória no bojo da própria sentença, sendo que, em tal hipótese, o recurso não obstará o seu cumprimento quanto à parte antecipada (inc. V).
– O novo CPC permanece com a ideia conservadora de proteção demasiada dos direitos do réu, deixando-se de lado os do autor? Qual é a opinião do senhor?
Acho que o exacerbado formalismo, sob a aparente ideia de proteger os direitos daquele que estava sendo demandado, acabava por trazer demora ou inocuidade na prestação jurisdicional.
Nesse ponto, penso que o novo código evoluiu. Houve, dentre tantos outros pontos, concentração da defesa na contestação, sendo eliminadas as exceções apartadas (art. 337 NCPC), que contribuíam para a criação de infindáveis incidentes e recursos. Até mesmo a reconvenção saiu daquele figurino sacramental, devendo ser deduzida, agora, no corpo da própria contestação (art. 343 NCPC).
Aliás, o princípio da primazia do mérito ganhou concretude em diversas situações, ao ponto de desestimular apegos formalistas pelos réus. O processo só será extinto sem julgamento meritório se isso for insuperável. Deverá o magistrado, sempre, buscar a solução de mérito (art. 317 NCPC).
– A quem compete conceder os efeitos devolutivo e suspensivo?
Não haverá mais declaração formal de recebimento da apelação sob este ou aquele efeito. Interposta a apelação, o juiz determinará remessa dos autos ao Tribunal. Ali no Tribunal, poderá ser requerida ao relator a concessão de efeito suspensivo à apelação que não o detenha, conforme § 3º do art. 1.012 NCPC. Consoante o § 4º do referido dispositivo, se houver probabilidade de êxito da apelação, dispensa-se até o requisito de perigo de dano. Mas será este exigível se, em vez de probabilidade (fática e jurídica), houver apenas a relevância da fundamentação, quando será indispensável a presença do requisito do perigo de dano.
O fato é que, sendo proferida a sentença e interposta a apelação, caberá ao vencedor, caso o efeito seja só o devolutivo, requerer o cumprimento provisório da decisão (art. 1.012 § 2º NCPC). Se entender o apelante que o seu recurso se encaixa na regra geral da suspensividade, poderá invocar a inexigibilidade do título por meio de impugnação ou exceção de pré-executividade. Contra a decisão aí proferida caberá agravo de instrumento, conforme admissão do parágrafo único do art. 1.015.
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