Desobediência à medida protetiva de urgência
Ocorre com certa frequência nas lides criminais envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, que constitui uma das formas de violação dos direitos humanos, segundo o artigo 6º da lei 11.340/2006, que após o juiz estabelecer a medida protetiva de urgência referente à distância mínima que o agressor deve guardar da ofendida, de seus familiares e testemunhas, a determinação deixa de ser obedecida. E cria impasses de várias modalidades, pois não há como destacar agentes para fiscalizarem a ordem judicial. Resta à vítima, ou qualquer pessoa por ela indicada, levar o fato à apreciação da autoridade policial que, ao tomar conhecimento da transgressão, adotará, de imediato, as providências legais cabíveis, dentre elas a elaboração do boletim de ocorrência a ser encaminhado ao juiz da causa, posteriormente. Mas, muitas vezes não há tempo para a intervenção policial e o ofensor vem a praticar o crime de feminicídio. E a indagação que fica é com relação à inutilidade da medida aplicada, pois foi insuficiente para evitar o dano maior.
Diante de tal cena, a população brasileira, aquela que não conhece o regramento jurídico, vê dinamitar e implodir os conceitos tão arduamente construídos pela crença popular, no sentido de que somente a prisão seria a alternativa para o agressor e, no exercício de sua indignação, conclui, de forma frustrada, que o direito individual de uma cidadã foi levado perante o Judiciário e não recebeu a tutela necessária. Deve-se levar em conta que a Justiça atendeu o reclamo, tanto é que estabeleceu algumas restrições preliminares consideradas suficientes para o momento, antes do julgamento final do processo, com o intuito de preservar os direitos à integridade física e psíquica da mulher. “O direito realiza a função de dirimir os conflitos de duas maneiras, esclarece o sempre oportuno Bobbio quando faz referência às normas preventivas e repressivas: com uma ação preventiva e com uma ação posterior, ou seja, tentando impedir que eles surjam ou então lhes pondo termo no caso de já terem surgido”1.
O cumprimento da referida medida, apesar de acompanhar uma determinação judicial, depende muito da consciência e do comprometimento social do agressor, sabedor que é da ausência de vigilância contínua por parte do Estado. Mas, em se tratando de situação que envolve ameaças ou agressões no relacionamento familiar, o temporário afastamento da ofendida do lar, com sua recondução posterior e a inevitável separação de corpos, são fatores que provocam quase sempre a insubordinação do infrator.
Em tese, pela conduta do agente, tem-se que praticou o delito de desobediência, previsto no artigo 330 do Código Penal, pois, no mínimo, esbarrou em uma ordem judicial. Apesar da tipicidade objetiva deste tipo penal estar relacionada com o descumprimento de uma ordem legal direcionada ao agressor, mesmo assim, não reúne os preceitos básicos identificadores do delito. Isto porque a Lei Maria da Penha, dentre outras medidas, prevê a sanção pecuniária em caso de inexecução da medida. Ademais, conforme o alargamento dado ao artigo 313, inciso III do Código de Processo Penal, permite-se a decretação de prisão preventiva para garantir a execução de medidas protetivas de urgência, quando se tratar de delito envolvendo violência doméstica. É neste sentido o entendimento unânime do Superior Tribunal de Justiça.
A segregação provisória do infrator, por si só, é providência que atende a garantia e segurança da vítima, muito mais até do que a instauração tardia do processo para perquirir o crime de desobediência. Deve-se levar em consideração que, em delito desta natureza, as providências de segurança voltadas para a vítima, devem ser tomadas com a maior rapidez e resultar em plena eficácia.
Mas, mesmo assim, visando eliminar o óbice apontado pelo Tribunal da Cidadania, tramita, com a finalidade específica de possibilitar a persecução penal contra o agressor e ofertar cobertura maior à vítima, o Projeto de Lei do Senado 14/2015, da autoria da senadora Gleisi Hoffmann, que acresce o § 5º ao artigo 22 da Lei Maria da Pena, estabelecendo que se trata de crime de desobediência o descumprimento de medida protetiva de urgência.
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1 Bobbio, Norberto. O terceiro ausente: ensaios e discursos sobre a paz e a guerra. Tradução: Daniela Beccaccia Versiani. Barueri, SP, Manole, 2009, p. 161.
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