“Saga de alta sensibilidade humana”, diz juiz que determinou alteração de nome e gênero no registro de criança “trans”

Por Dr. Wander Barbosa em

“Todo ser humano mediano se sensibiliza com sua essência, sua origem, seu estágio de desenvolvimento mais expressivo; daí a razão de sempre haver sensibilidade e acuidade com questões que digam respeito à proteção de crianças, as quais possuem prioridade absoluta nas ações e políticas públicas, com preponderância dos seus interesses, sempre.

O sofrimento psicológico decorrente do transtorno de identidade de gênero na infância e a luta de uma família para galgar dignidade e bem-estar a tal prole, à toda evidência, é uma saga de alta sensibilidade humana.”

A afirmação é do juiz Anderson Candiotto, da Terceira Vara da Comarca de Sorriso, no estado do Mato Grosso, que no último mês determinou a retificação de registro civil para alterar o nome e o gênero de uma criança. O processo foi interposto pela Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso sob fundamento de que a criança nasceu com anatomia física contrária à identidade sexual psíquica.

Após alerta da escola, a mãe da criança buscou auxílio e informações quanto ao comportamento do filho. O menino foi levado ao Ambulatório de Transtorno de Identidade de Gênero e Orientação Sexual da USP/SP, para acompanhamento. Na unidade, foi diagnosticado o transtorno de identidade sexual na infância. O Ministério Público Estadual manifestou-se pela procedência integral dos pedidos.

Candiotto explica que aplicou ao caso o princípio da dignidade da pessoa humana.  “É certo que a dignidade de cada pessoa é amplamente defendida pelo Estado democrático de direito, sendo também aplicada no caso em comento, onde a pretensão da parte autora baseia-se na retificação de assento de registro civil para alterar não somente o nome da infante, como também o gênero sexual desta onde, atualmente, constam nome e gênero ‘masculino’, o que vem acarretando em situações constrangedoras e vexatórias para a infante, que, futuramente, poderá sofrer moléstias psíquicas graves, levando-a a se sentir excluída do meio social, intensificando a ânsia em ser o que sua biologia natural confronta, corrompendo, assim, sua integridade mental e afrontando o princípio da dignidade em questão”, diz.

Segundo ele, em relação ao “gênero sexual”, independentemente do caso, o Supremo Tribunal Federal (STF) já assegurou o direito à orientação sexual (ADPF nº 132/RJ e ADI nº 4.277/DF). Anderson Candiotto destaca que cada indivíduo tem direito ao nome, devidamente registrado, porém não basta somente “ter” um nome, mas sim “ser” o que cada determinado nome representa. “Conforme os documentos acostados aos autos, a infante usa nome fictício para sentir-se bem em relação à sua identidade sexual, apesar de sua biologia natural”, diz.

Sobre os direitos das pessoas “trans”, o magistrado afirma que a sociedade está em constante evolução e, segundo os costumes de cada época, há reações favoráveis e adversas na abordagem de temas alheios ao cotidiano já incorporado pelo senso comum.

Para ele, apesar das críticas, considerável parcela da sociedade brasileira compreende e entende como “adequada” e “justa” a possibilidade jurídica de retificação de nome, mesmo envolvendo interesses de crianças. “A existência contínua de pensamentos divergentes nunca poderão ser a âncora da efetivação dos direitos fundamentais de qualquer cidadão, independentemente da origem do conflito, sob pena da própria humanidade estar fadada ao nefasto retrocesso social. E não é isso que temos contemplado na história da humanidade. Absolutamente”, diz.

A possibilidade de alteração de nome e gênero no registro civil de nascimento, sem a realização prévia da cirurgia de mudança de sexo, ainda é objeto de divergência nos tribunais brasileiros. O STF vai analisar a questão na ADI nº 4.275, ainda sem data para julgamento.

​O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) participa desta ação como amicus curiae entendendo não ser necessária a realização da cirurgia para a alteração do registro. Esse entendimento, segundo Anderson Candiotto, “restou cimentado nos enunciados 42 e 43 da I Jornada de Estudos da Saúde do CNJ, elaborados com a função de verdadeiro farol para todo o Poder Judiciário Brasileiro, quando da efetivação de garantias fundamentais”.



Dr. Wander Barbosa

Wander Barbosa, CEO do escritório Wander Barbosa Sociedade de Advocacia. Master Of Law Direito Empresarial. Pós Graduado em Direito Civil e Processo Civil. Pós Graduado em Direito Penal. Especializado em Recuperação Judicial e Falências pela Escola Paulista da Magistratura.

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