PL 3.787/19 que irá obrigar advogados a provar origem legal de seus honorários

Por Dr. Wander Barbosa em

Cumpre se esclarecer inicialmente, que é essencial ao exercício da advocacia criminal à defesa ostensiva das garantias constitucionais do representado e a correta aplicação da lei no curso da persecução penal.

Diante desta análise, a Constituição Federal, conforme disposto no artigo 133, preconiza a indispensabilidade do advogado para a administração da justiça, enquanto o artigo 21 do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil assenta o direito e dever do profissional em assumir a defesa criminal, sem fazer qualquer juízo sobre a culpa do acusado.

O risco desconhecido, no entanto, que se reconhece existir, por ser inerente à profissão do defensor, foi sensivelmente majorado na seara penal, desse modo o preço aferido pelo trabalho é resultado, dentre outros critérios, decorre único e exclusivamente da avaliação deste risco que ficam expostos estes profissionais.

Na advocacia a estipulação do preço do trabalho é consequência direta da Lei 8.906/94, “Estatuto da Advocacia” e, em especial, das diretrizes fixadas no artigo 36 do Código de Ética e Disciplina. A fixação de honorários caracteriza justa remuneração, como qualquer outro profissional liberal o faria, sempre em integral observância aos preceitos legais e éticos.

Neste sentido deve se dizer que pairam diversos questionamentos quanto ao recebimento de honorários pelos advogados criminalistas, em especial àqueles oriundos de supostos desvios de verbas públicas.

Erroneamente, uma análise superficial aponta uma possível solução para tal indagação que seria “conferir transparência” aos recebimentos do advogado. Em outras palavras, a população, tal qual ocorre com os servidores públicos, deveria ter acesso às informações dos honorários ajustados entre os advogados e seus clientes acusados em processos criminais.

Como advogado, atuante no Direito Penal Econômico, dentre outras ramificações do Direito Brasileiro, compreendo que o advogado “não tem qualquer obrigação em conhecer, ou nem sequer presumir, a origem do valor que lhe remunera“.

Nesta esteira, com relação ao caso presente, recentemente fora apresentado pela deputada federal Bia Kicis na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 3.787/19, que tem por objetivo responsabilizar advogados que receberem honorários advocatícios tendo conhecimento de sua origem ilícita.

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Para justificar PL, deputada diz que advogados fazem parte de um “grupo muito suscetível de receber recursos financeiros oriundos de atividades ilícitas

O PL 3.787/19, é de autoria da deputada federal Bia Kicis (PSL), pretende alterar o Código Penal e o Código de Processo Penal para equiparar à receptação qualificada o recebimento de honorários advocatícios que “sabe ser proveniente de produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, os receba“. A pena proposta é de um a quatro ano de prisão.

O texto também altera a Lei de Lavagem de Dinheiro para que advogados e escritórios de advocacia sejam subordinados a mecanismos de controle. A proposta é que os profissionais prestem informações periódicas acerca de suas atividades ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ou outro órgão regulador.

Além disso, para fiança, o projeto estipula que é preciso comprovar a origem lícita do dinheiro, ativos e bens oferecidos em depósito, sob pena de indeferimento.

A justificativa da deputada é a de que advogados fazem parte de um “grupo muito suscetível de receber recursos financeiros oriundos de atividades ilícitas”.

Assim sendo, com o devido respeito, compreendo ser tal proposta é inviável, cumpre-se frisar que os honorários pagos aos advogados não se revestem de sigilo por uma questão de intimidade, mas sim por decorrência legal, diretamente ligada ao exercício da ampla defesa, construção iluminista concretizada em nossa Constituição.

Nesta linha, seu sigilo é garantia ao acusado para que se defenda exclusivamente dos fatos imputados contra si, sendo a monta dos honorários pagos irrelevante para tanto, não revestida de qualquer caráter de interesse público. Ademais, o advogado recebe tal remuneração para realizar exclusivamente seu trabalho jurídico, conforme previsto em contrato celebrado entre as partes.

O advogado não possui qualquer obrigação em conhecer, ou nem sequer presumir, a origem do valor que lhe remunera; trata-se de um profissional, como qualquer outro cidadão que desempenha atividade econômica, tem, sim, a obrigação legal de cumprir com os regramentos fiscais no recebimento de tais numerários.

O advogado criminalista deve atuar dentro do espaço legalmente permitido para sua atividade, amoldando-se às denominadas condutas neutras, sem incrementar qualquer risco ou acobertar atividade criminosa de seu cliente. Até porque, se não o fizer, deixará de ser advogado e passará a ser partícipe das ações de quem o contrata, o que nada tem a ver com o sigilo de seus honorários ou com a função de advogado.

Pensamento diverso resultaria na exigência de exposição pública da remuneração de qualquer profissional liberal, se assim entender, por exemplo, médicos ou dentistas jamais poderiam atender pacientes suspeitos de corrupção, e contadores jamais poderiam assessorar acusados de estelionato, pois todos, fatalmente, estariam enriquecendo com dinheiro ilícito e deveriam ser responsabilizados, inobstante não terem qualquer relação com o delito praticado por seu cliente.

Em suma, o advogado detém a prerrogativa de sigilo quanto aos seus honorários, desde que, sempre se observando à licitude dessa atuação, numa posição neutra por uma questão primordial da relevância do seu ofício e sua indispensabilidade à administração da Justiça, com consequente efetivação das garantias básicas.

A contraprestação de seu trabalho profissional, diz respeito tão somente à sua pura e simples atuação de seus trabalhos exercidos perante à justiça, nos moldes do que estão descritos na forma da lei, sendo assim, explicar e explicitar a origem de tais valores não cabe ao advogado, e a relativização deste sigilo é afronta direta ao Estado Democrático de Direito.

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