Decide STJ: Ex-sócio não será alvo de execução de empresa dissolvida por acordo.
Inicialmente cumpre esclarecer que é importante deixar claro que o momento preciso em que a limitação da responsabilidade do sócio da Sociedade Limitada nasce dá-se com o registro do ato constitutivo no órgão competente e após a total integralização das cotas, conforme aludido nos dispositivos legais citados abaixo, vejamos:
Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150).
Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.
De acordo com o elucidado, o registro torna pública as relações internas das sociedades, fixa limites de responsabilidade dos sócios, e atribui personalidade jurídica à sociedade, totalmente desvinculada daquela dos sócios.
Verifica-se que antes desse registro, os sócios somente adquirem responsabilidade após a conclusão do pacto social, ainda que apenas verbal, de forma ilimitada para com os terceiros credores da empresa, conforme disciplinado nos artigos 986º e 990, do CC/02, in verbis:
Art. 986. Enquanto não inscritos os atos constitutivos, reger-se-á a sociedade, exceto por ações em organização, pelo disposto neste Capítulo, observadas, subsidiariamente e no que com ele forem compatíveis, as normas da sociedade simples.
Art. 990. Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art. 1.024, aquele que contratou pela sociedade.
No entanto, de qualquer forma, mesmo que devidamente registrado o contrato social e integralizado todo o capital, a responsabilidade dos sócios na Limitada não tem vínculo algum com as obrigações assumidas pela sociedade, mas somente, em tese, pela formação do capital do novo ente jurídico, além das responsabilidades objetivas dos sócios gerentes e administradores, segundo os termos dos artigos. 1.011 e 1.016 do Código Civil de 2002.
Nesta esteira, conforme disposto no artigo 1.032 do Código Civil, a retirada, exclusão ou morte do sócio não exime a si e nem aos seus herdeiros da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores pelo prazo de 02 (dois) anos após a sua retirada formal da sociedade.
No que tange à cessão de quotas, o posicionamento do legislador não foi diferente, pois deixou claro conforme elucidado no parágrafo único do artigo 1.003 do mesmo diploma legal, que o sócio cedente responde solidariamente com o cessionário perante a sociedade e terceiros pelas obrigações que tinha como sócio, pelo igual período de 02 (dois) anos após averbada a modificação do contrato.
Contudo, a responsabilidade pelo período de 02 (dois) anos após a saída somente se aplica no âmbito cível, trabalhista e tributário com relação as obrigações contraídas pela sociedade durante o tempo em que este figurou como sócio. Logicamente, toda e qualquer obrigação assumida após sua saída não gera responsabilidade para o ex-sócio.
Ainda que as normas em comento visem tutelar o direito de terceiros, não se pode desconsiderar que no caso concreto deve-se salvaguardar o direito dos sócios retirantes de não responder eternamente pela pessoa jurídica da qual fez parte, mormente quando não evidenciada qualquer ingerência sua capaz de causar os descumprimentos trabalhistas, cíveis e tributários.
Na situação em epígrafe, conforme elucidado nos artigos 1.003 e 1.032, do Código Civil, as regras regidas pelos dispositivos limitam a responsabilidade dos sócios que se retiram da sociedade, pelas obrigações contraídas pela empresa, até dois após a averbação da alteração do contrato no cartório.
Se a sociedade limitada, cujo capital social haja sido completamente integralizado, for dissolvida por comum acordo entre os sócios, sem patrimônio líquido a ser partilhado, o redirecionamento de execução contra os ex-sócios não é possível.
Assim sendo, em recente decisão, Resposta Nº1537521 / RJ (2015/0062165-9) autuado em 31/03/2015, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso especial do ex-sócio de uma empresa por entender que, tendo deixado a sociedade limitada, ele não é responsável por obrigação contraída em período posterior à averbação da alteração contratual que registrou a cessão de suas cotas.
No caso em análise, o recorrente manejou exceção de pré-executividade após ter bens bloqueados em ação de cobrança de aluguéis movida pelo locador contra uma empresa de cimento, da qual era sócio até junho de 2004. Os valores cobrados se referiam a aluguéis relativos ao período de dezembro de 2005 a agosto de 2006.
Em 2013, o juízo da execução deferiu pedido de desconsideração da personalidade jurídica da executada, por suposta dissolução irregular da sociedade, para que fosse possibilitada a constrição de bens dos sócios, entre os quais o recorrente. Ele então alegou a sua ilegitimidade passiva, pois a dívida se referia a período posterior à sua saída.
No entanto, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu que o ex-sócio responderia pelas obrigações contraídas pela empresa devedora até junho de 2006, quando completados dois anos de sua saída.
No recurso especial, o ex-sócio alegou que o redirecionamento da execução para atingir bens de sua propriedade seria equivocado, assim como a consequente penhora on-line realizada em suas contas bancárias, não podendo ele ser responsabilizado por fatos para os quais não contribuiu.
Responsabilidade restrita
Para o relator do recurso no STJ, ministro Villas Bôas Cueva, a solução da questão passa pela interpretação dos artigos 1.003, 1.032 e 1.057 do Código Civil de 2002.
“A interpretação dos dispositivos legais transcritos conduz à conclusão de que, na hipótese de cessão de cotas sociais, a responsabilidade do cedente pelo prazo de até dois anos após a averbação da modificação contratual restringe-se às obrigações sociais contraídas no período em que ele ainda ostentava a qualidade de sócio, ou seja, antes da sua retirada da sociedade”, disse.
Segundo o relator, o entendimento das instâncias ordinárias violou a legislação civil ao também responsabilizar o sócio cedente pela dívida executada.
Dessa forma, o ministro acolheu a exceção de pré-executividade e excluiu o ex-sócio do polo passivo, uma vez que “as obrigações que são objeto do processo de execução se referem a momento posterior à retirada do recorrente da sociedade, com a devida averbação, motivo pelo qual ele é parte ilegítima para responder por tal débito”.
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