Somente por Força de Lei que o Estado se obriga à fornecer medicamentos de alto custo à população
O direito à vida é uma garantia fundamental prevista no artigo 5º, caput da Constituição Federal Brasileira de 1.988. Ela garante proteção à vida e trata-se de um direito inviolável, esse Direito pode ser entendido, como o Direito a “permanecer vivo”, quanto a ter uma existência digna.
Um dos pontos mais emblemáticos da Constituição de 88 são os artigos que discorrem sobre a vida, dignidade e liberdade, principalmente os Art. 1, Inciso III, Caput do Art. 5º, o Art. 170 e o Art. 60 § 4, Inciso IV, que tratam de alguns dos direitos fundamentais.
O Art. 1, Inciso III da Constituição Federativa do Brasil traz:
Caput – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos
III – a dignidade da pessoa humana. […]
Toda e qualquer pessoa possui dignidade. Porém a dignidade não é um direito.
“A dignidade humana não é um direito, porque ela não é um ordenamento jurídico, não é a Constituição que nos da dignidade. Todos os seres humanos possuem dignidade… A Constituição diz que cabe ao ordenamento jurídico proteger esta dignidade e promover os meios necessários a uma existência digna.”
Como bem se sabe, é de conhecimento geral que todo cidadão tem direito à saúde e que o Estado possui o dever de prestá-la, no entanto este fato, apesar de ser reconhecido, não é o que acontece na prática.
Pacientes portadores de doenças graves não possuem condições financeiras de arcar com medicamento de alto custo, que muitas vezes chegam a ultrapassar as cifras de R$ 15 mil reais por mês e acabam recorrendo ao Sistema Único de Saúde – SUS. No entanto, para conseguir o medicamento, o SUS disponibilizar uma lista com os remédios fornecidos de forma gratuita nos seus postos de saúde, para ter acesso a estes medicamentos, os pacientes precisam passar por exames, consultas, confirmação da doença e verificação dos documentos pessoais. Somente após estas etapas é que o usuário é cadastrado no programa de receptores de medicamento.
Por conseguinte, somente após finalizado todos os procedimentos, que o próprio paciente poderá providenciar a retirada dos remédios, na impossibilidade, a retirada poderá ser realizada por intermédio de seus ascendentes ou descendentes, com os documentos exigidos pelo SUS como cópia do RG e CPF, formulários de comprovação médica e outros dados obrigatórios.
Em seguida, no que diz respeito aos pacientes que necessitam de medicamento de alto custo que não constam na lista do SUS, ou até mesmo os pacientes que precisam de um remédio que está em falta no posto de saúde, estes devem buscar na Justiça o direito de receber o remédio, baseado na constituição federal, que prevê que todo atendimento de saúde e acesso a medicamentos são direitos fundamentais. Isto, porque na maior parte das vezes, o medicamento de alto custo não consta na lista do SUS por falta de atualização da mesma.
Nos casos de falta de medicamentos de alto custo nos postos de saúde, é válido destacar que União, Estados e Municípios são solidariamente responsáveis por garantir a saúde do cidadão e, caso não tenha o remédio em seu Município, o poder público tem o dever de pleitear a entrega de outra cidade que possua a medicação prescrita.
A saúde é um direito que é garantido pela Constituição Brasileira à população é a saúde, conforme dispõe o Artigo 196, “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doença e de outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Grande parte da população desconhece é que medicamentos de alto custo como os necessários para doenças raras, câncer, esclerose múltipla e esclerose lateral amiotrófica (ELA) também devem ser fornecidos pelo Estado.
Tratamentos de quimioterapia para combater o câncer também são um direito do cidadão, garantido pela Lei 8.080/90. Em seu artigo 2º, a lei diz: “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”. E considerando que uma única sessão de quimioterapia pode chegar a R$ 12 mil, é fundamental que o Estado possibilite o acesso a esse tipo de tratamento.
É sabido frisar, que a lei também declara que todos têm direito, independentemente da sua renda. Existem alguns medicamentos que até para pessoas com renda mais elevada custam caro.
Como exemplo, pode-se citar a Genzyme, fabricante do remédio para doença genética de Gaucher, que encaminha gratuitamente para o médico um material de teste para a detecção da síndrome. O profissional deve entrar em contato com a empresa. Se o resultado for positivo, a Genzyme orienta o paciente a obter o remédio judicialmente, já que o preço de cada frasco supera os R$ 25 mil.
Pessoas mais carentes, que não possuem condições de contratar um advogado para entrar com uma ação contra o estado ou município, pode procurar a Defensoria Pública, em estados onde esse serviço não existe, o interessado pode recorrer diretamente ao Ministério Público, deferido o pedido do medicamento de alto custo pelo juiz, a Secretaria de Saúde será obrigada a disponibilizar o remédio.
Em recente decisão, Processo Nº 0015099-09.2014.8.19.0036, a decisão judicial favorecendo a jovem Deborah Camilly Gonçalves, foi de suma importância, pois determinou ao poder público o fornecimento de um remédio de alto custo para que ela tratasse uma doença rara, representando uma melhora significativa nas suas condições de saúde, como também representou o seu próprio direito de permanecer viva.
Deborah tem mucopolissacaridose tipo 1 (MPS1), a variação mais grave de uma doença progressiva e degenerativa, também conhecida como síndrome de Hurler-Scheie, com incidência média de um caso para cada 130 mil nascimentos. Segundo a dona de casa Mércia Alves Barbosa, mãe de Deborah, o diagnóstico só foi realizado quando ela completou três anos de idade, após várias consultas inconclusivas com diversos especialistas de Brasília.
“Quando o médico fez o primeiro diagnóstico de MPS1, ele explicou que a doença era rara, não havia tratamento disponível e que eu deveria só aguardar o dia de Deus levar”, relembra Mércia. Mas a dona de casa decidiu não aguardar: descobriu que uma médica do Hospital Universitário de Brasília havia iniciado um tratamento com o uso da laronidase, medicamento produzido nos Estados Unidos.
A descoberta do remédio adequado ao caso de Deborah, contudo, não significou alívio imediato: a laronidase – que não era fornecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) – tem um custo de aproximadamente R$ 2 mil por ampola. O tratamento de Deborah exige a aplicação de 11 ampolas a cada 15 dias, o que significa um valor mensal de R$ 44 mil.
Com o apoio do Instituto Vidas Raras, entidade não governamental que trabalha em prol de pacientes com mucopolissacaridose, Mércia buscou a Justiça do Distrito Federal para garantir que sua filha pudesse obter o tratamento. Seis meses depois, o juiz determinou que o poder público arcasse com as despesas. Só depois da decisão judicial foi que Deborah conseguiu, pela primeira vez, utilizar a medicação.
Caminho judicial
Sem o tratamento, a expectativa de vida média de pacientes com MPS1 é de oito a dez anos; com a medicação – que não representa uma cura, mas permite o controle da progressão da doença –, Deborah já chegou aos 15 anos.
Para uma família sem condições financeiras, que depende de um tratamento de mais de R$ 40 mil mensais, a intervenção do Poder Judiciário significou, de forma concreta, a diferença entre a vida e o luto. Em virtude de quadros semelhantes, muitas pessoas procuram o auxílio da Justiça para ter acesso a tratamentos de alto custo, medicamentos não oferecidos pelo SUS ou apenas para conseguir direitos básicos de saúde, como um simples exame.
Em 2018, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, sob o rito dos recursos repetitivos, uma questão central para a saúde pública brasileira: a obrigatoriedade de o poder público fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (Tema 106).
O relator do recurso repetitivo, ministro Benedito Gonçalves, apontou no julgamento que a Constituição Federal, em seu artigo 196, estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença, além do acesso igualitário e universal a ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
O ministro lembrou ainda que, conforme o artigo 19-M da Lei 8.080/1990 (que regulamenta o SUS), a assistência terapêutica integral consiste, entre outras garantias, na oferta de medicamentos e produtos de interesse para a saúde.
Com base na Constituição, na legislação ordinária e na jurisprudência do STJ, a Primeira Seção fixou a tese de que constituiu obrigação do poder público fornecer medicamentos não incorporados pelo SUS, desde que cumpridos, de forma cumulativa, três requisitos: a comprovação, por meio de laudo médico, da necessidade do remédio, bem como da ineficácia dos eventuais fármacos fornecidos pelo SUS; a incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; e a existência de registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Interrupções
Foram exatamente esses critérios – incapacidade financeira, laudo médico e registro na Anvisa – que permitiram à família de Deborah o acesso aos medicamentos pela via judicial em 2007, muito antes da fixação da tese pela Primeira Seção. Depois da intervenção do Judiciário, o desafio da família passou a ser outro: obter regularmente a laronidase, já que a medicação costuma faltar em intervalos periódicos na rede pública de saúde do Distrito Federal.
“Durante todos esses anos, é comum receber o remédio por seis meses e ver a laronidase faltar por outros seis meses. Normalmente, o governo diz que não tem dinheiro para comprar. Quando falta, a doença tem um avanço grave, aí prejudica alguma coisa e não tem como reverter, infelizmente. A síndrome vai atingindo olhos, rins, coração” – lamenta Mércia.
Com o uso regular da medicação, Deborah tem conseguido enfrentar o desafio diário de levar uma vida simplesmente normal: está matriculada no quarto ano do ensino fundamental, gosta de se maquiar e consegue, com o auxílio de uma instituição em Planaltina (DF), realizar o sonho de dançar balé, mesmo dependendo de uma cadeira de rodas.
“Minha comida favorita é arroz, frango e batata frita. Nas horas livres, gosto de ver vídeos no YouTube e usar o Instagram”, resume a própria Deborah, como uma típica adolescente.
Esperança renovada
Após anos de interrupções sazonais no recebimento da medicação no Distrito Federal, Mércia obteve, em outubro de 2018, sentença da Justiça Federal que obrigou a União a fornecer, por meio do SUS, a laronidase ou outro substituto legal que venha a ser incorporado em seus protocolos.
Tal como o STJ ao fixar a tese no recurso repetitivo, o magistrado também considerou aspectos constitucionais: a dignidade da pessoa humana, a inviolabilidade do direito à vida e o direito social à saúde.
Para Mércia, a nova decisão judicial representa a esperança de que, finalmente, o tratamento de sua filha não seja mais interrompido e Deborah, daqui para a frente, só se preocupe em estudar, dançar balé e acessar sua rede social favorita.
“Meu sonho é ter sempre a medicação. Mas sei que é difícil”, projeta Mércia.
Diante do exposto, como advogado atuante no Direito Civil, entre outras esferas do Direito Brasileiro, compreendo que o nosso ordenamento jurídico ainda é lento, no que diz respeito a atribuir a esta pequena população que busca incansavelmente o direito a ter uma vida digna, saúde adequada, acesso rápido e fácil a determinados medicamentos que além de terem um elevado e considerável custo, são de difícil localização, pelo simples fato de muitos não serem fabricados no Brasil.
De fato deve se considerar que é importante que todos os casos devam ser avaliados com cautela, bem como a urgência da entrega do medicamento. Isso porque inúmeras ações são propostas por dia para pleitear tratamento médico pelo SUS, mas obrigar o sistema público a financiar todo e qualquer pedido de prestação de saúde poderia prejudicar o atendimento médico da parcela da população mais necessitada, assim compreendo, que nosso ordenamento infelizmente ainda se encontra lento na busca eficaz do aparato necessário para atender à todos sem prejudicar uma parcela.
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