Lavagem de Dinheiro: Distinção Entre Autor e Partícipe
Atualmente o crime de lavagem de dinheiro é disciplinado pela Lei Nº 9.613 de 1998, onde a mesma disciplina os demais crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos.
Cumpre observar, preliminarmente, que a expressão “lavagem de dinheiro”, surgiu na década de 1920, se remetia às organizações mafiosas norte-americanas, que aplicavam em lavanderias o capital proveniente das muitas espécies do comércio criminoso, é uma forma genérica de referir-se ao processo ou conjunto de operações de ocultar a origem do dinheiro ou dos bens resultantes das atividades delitivas e integrá-los no sistema econômico ou financeiro, em operações capazes de converter o dinheiro sujo em dinheiro limpo.
A prática da lavagem de dinheiro geralmente demanda a execução de vários atos por aquele que pretende ocultar a origem ilícita de um determinado bem, direito ou valor proveniente de um ilícito; em decorrência disso, acaba envolvendo terceiras pessoas no crime, como profissionais das áreas sensíveis à lavagem, por exemplo, gerentes de bancos, corretores, advogados, casas de câmbio, dentre outros.
Desse modo, se faz necessário delimitar a responsabilidade de cada pessoa que de alguma forma intervém no delito, de modo a identificar se responderá ou não pelo crime de lavagem de capitais, e se na qualidade de autor ou partícipe.
Inicialmente, se faz jus ponderar alguns esclarecimentos que se entende necessários.
No Código Penal brasileiro, não há uma previsão clara diferenciando autores e partícipes, parte da doutrina entende que o atual Código Penal Brasileiro, muito embora parta de um princípio unitário, acaba tendo um perfil diferenciador, pois com a inserção dos §§ 1º e 2º no artigo 28, torna-se obrigatória à aplicação de pena de forma diferenciada para aquele que teve uma participação mesmo que de menor importância ou mesmo àquele que quis participar de crime menos grave.
Neste sentido, se faz jus recorrer à teoria do domínio do fato para diferenciar o autor do partícipe e poder aplicar a pena. Sendo assim, partindo desse entendimento, a diferença entre autores e partícipes no crime de lavagem de dinheiro será feita nos moldes da teoria do domínio do fato, onde o autor de um fato seria a figura central do acontecer típico, ao passo que o partícipe seria uma figura lateral, com uma contribuição secundária para o delito.
Quanto à autoria, esta poderá ser direta, onde o agente realiza pelas próprias mãos o fato; poderá ser mediata, onde o agente utiliza outra pessoa como instrumento para a realização do fato, induzindo em erro, coação ou por meio de um aparato de poder organizado ou ainda poderá ocorrer à coautoria, que ocorre a divisão de tarefas entre os agentes.
A participação poderá ser por instigação, quando o partícipe faz nascer no outro a ideia da prática do crime, ou por cumplicidade, onde o partícipe contribui materialmente com a prática do crime.
Nos crimes de lavagem de dinheiro, podemos identificar como autor direto aquela figura central da lavagem, onde o agente identificado como central possui o controle e executa o esquema de surripiar bens ou valores ilícitos, com o objetivo de inseri-los na economia formal com aparência de lícito. Nesta esteira, também será autor aquele que controla os processos de investimento, movimentações, ou tem poder de gerencia na instituição financeira, de modo à efetivamente executar atos com a intenção e conhecimento do que faz.
Se o controlador atua com outras pessoas, em acordo de vontades, cada uma contribuindo de forma direta com o mascaramento do valor ilícito, havendo-se assim, coautoria entre eles.
Igualmente, autor também será aquele que, com a intenção de lavar dinheiro, engana um terceiro para que, por exemplo, ceda sua conta bancária a fim de que possa depositar parte de seu dinheiro, sob uma justificativa lícita. Em tais casos, a autoria será mediata daquele que engana, pois o autor induzirá em erro o terceiro, que acaba ajudando na lavagem, mas sem saber o que faz, nesta hipótese o terceiro poderá ser absolvido, pois estaria em erro de tipo, conforme segue o artigo 20 do Código Penal.
Ainda, será considerado autor mediato aquele que coage ou ameaça uma terceira pessoa, “coação moral irresistível” a praticar alguma conduta que auxilie na lavagem, como também haverá, ainda, autoria mediata, quando o agente tem disponível um aparato de poder organizado, como por exemplo, uma organização criminosa, e que se utilize de terceiros executores para a prática da lavagem.
Neste sentido, conforme nos ensina Badaró e Bottini:
“É o caso do grupo de traficantes que organiza um sistema de ocultação de valores oriundos da comercialização de entorpecentes através de dezenas de comparsas. (…) Ainda que falte ao dirigente o completo domínio dos fatos – pois não acompanha o curso causal de cada ato de lavagem – e o agente executor direto seja punível, haverá autoria mediata, dado seu domínio sobre o aparato que movimenta os inúmeros processos delitivos, e a fungibilidade dos executores do mascaramento (BADARÓ e BOTTINI, 2013, p. 121)”.
Em corroboração, em decorrência de instigação, a participação na lavagem, poderá ocorrer, por exemplo, por aquele profissional, como os gerentes de banco, advogados ou operadores de casa de câmbio, que recomende a execução de atos de lavagem ao cliente, cabe salientar que, para responder como partícipe, a execução da lavagem deve ao menos ter sido iniciada pelo agente, conforme no elucida o artigo 31 do Código Penal.
Por conseguinte, no que tange a participação em decorrência de contribuição material ou cumplicidade, entende-se ser esta um pouco mais complexa, pois há a necessidade de delimitar até que ponto a contribuição do agente teria alguma relevância, já que é lateral ao fato praticado, mas auxilia de alguma forma na consumação do delito.
Por exemplo, o gerente de um banco que toma conhecimento que alguém fará uma transação financeira, um depósito em conta, com valor oriundo de tráfico de drogas e posteriormente remeterá este saldo para um paraíso fiscal, e mesmo assim realiza a operação, poderá gerente do banco responder como partícipe, uma vez que sabia da proveniência ilícita do valor e que poderia estar contribuindo para um ato de lavagem.
Nestas linhas, é sabido esclarecer que a atividade bancária é indispensável para o regular desenvolvimento da sociedade, sendo assim, o fato de uma instituição financeira apresentar um risco, por na verdade ser a ponte entre estas transações, este risco, não consiste em um rico não permitido, pois decorrente de sua atividade propriamente dita, operar um banco aumente a possibilidade de ocorrer a lavagem de dinheiro, mesmo que indiretamente, pois não são em todos os casos que os agentes financeiros são obrigados a cobrar de seus clientes a origem dos valores movimentados.
A responsabilização estaria justificada, na posição de gerente de uma instituição financeira, onde no caso de saber da origem da quantia ilícita, o resultado “lavagem” era previsível, sendo exigível, na hipótese, cautela e a abstenção de praticar a operação.
Em suma, a participação na lavagem de dinheiro, na modalidade de colaboração material, somente tem relevância penal se:
- O agente criar um risco
- Esse
risco não for permitido,
- Porque desrespeita normas, atos normativos e regras técnicas profissionais de cuidado.
- Porque
viola o dever normal de cautela derivado da experiência geral da vida, que
consiste no dever de cuidado ou abstenção nos casos em que:
- Seja previsível o resultado, levando em consideração os conhecimentos especiais do agente.
- Seja exigível o cuidado, baixo custo social da cautela e idoneidade da mesma para proteger bens jurídicos.
- Esse risco não permitido contribuir causalmente para o resultado
- O resultado estiver dentro do âmbito de abrangência da norma de cuidado.
Diante do exposto apresentado, compreendo ser possível identificar, certo que pelas vias legais, se necessário investigações mais minuciosas, quem são os autores e partícipes na lavagem de dinheiro, esta tarefa, pois mais árdua que possa ser é necessária, justamente, de modo que a aplicação da pena cabível ao caso concreto, o agentes tenham suas penas aplicadas de modo diverso entre essas figuras, conforme já previsto no Código Penal Brasileiro.
Ao final, a distinção é importante, servindo principalmente de orientação aos profissionais que atuam nas áreas mais propícias à lavagem, a fim de evitar o envolvimento não intencional no referido delito.
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