Hospital deverá indenizar família por veiculação de fotos de parente falecido
Em primeiro plano, cumpre observar que os direitos da personalidade são expressamente reconhecidos e tutelados pela Constituição Federal nos seguintes dispositivos:
Art. 5º (…)
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
(…)
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação ;
Sendo assim, os direitos da personalidade são inatos e essenciais a condição da pessoa humana, por isso contam com características singulares, como:
- Intransmissibilidade,
- Indisponibilidade,
- Irrenunciabilidade,
- Inexpropriabilidade,
- Imprescritibilidade
- Vitaliciedade.
Aliás, nesse sentido dispõe o artigo 11 do CC/2002, in verbis:
Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
É bem verdade que durante muito tempo as relações civis se pautaram nos direitos patrimoniais, pois a realização da pessoa humana estava na propriedade. Por outro lado, os direitos da personalidade sustentam uma natureza não patrimonial, o que dificultou encontrar um mecanismo viável para tutelar juridicamente uma eventual lesão.
Contudo, a nova tendência do direito civil, que aponta para a necessidade em ter a pessoa como fundamento das relações civis, aliado a recepção pela Carta Magna dos danos morais foi o suficiente para tutelar juridicamente os direitos da personalidade.
Como advogado, no Direito Civil e de Família, compreendo que o uso indevido ou não autorizado do direito a imagem, ainda que não cause dano material, resultará em dano moral pelo simples fato da publicação ou revelação da imagem não autorizada.
Neste sentido, assim dispõe o Código Civil:
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber , se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Com base na situação em epígrafe, podemos citar como exemplo, as imagens de pessoas falecidas que indevidamente são adquiridas, compartilhadas e veiculadas, pela internet e redes sociais.
Em recente decisão, Apelação nº 1000869-55.2015.8.26.0022, a 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou, por danos morais, hospital e técnicas de enfermagem por fotografar, nas dependências do estabelecimento, e divulgar, pelo WhatsApp, corpo em situação degradante de homem falecido em decorrência de grave acidente de trânsito. O fato gerou transtorno e constrangimento à família e violação ao direito de imagem e intimidade protegidos por lei. A indenização foi fixada em R$ 25 mil.
De acordo com a decisão, o hospital responde, de forma objetiva, pelos danos que seus funcionários causam a terceiros. “Ainda que se alegue que as fotos foram divulgadas fora do ambiente de trabalho, é certo que as imagens foram obtidas no interior do estabelecimento, devendo o local tomar medidas cabíveis para evitar que situações semelhantes voltem a ocorrer”, afirmou a relatora, desembargadora Marcia Regina Dalla Déa Barone.
A magistrada ainda destacou em seu voto: “Os danos imateriais restaram claramente demonstrados, pois a parte autora teve sua honra e imagem abaladas pelas imagens divulgadas. Presentes, desta forma, os requisitos legais exigidos, quais sejam, a conduta lesiva, o resultado danoso e o nexo de causalidade entre uma e outro, surge o dever de indenizar”.
O julgamento, unânime, contou com a participação dos desembargadores José Carlos Ferreira Alves e José Joaquim dos Santos.
Contudo, compreende-se que de modo geral o Código Civil não reconhece direitos da personalidade à pessoa morta, até porque de acordo com seus dispositivos legais com a morte, se extingue a personalidade e todos os direitos a ela relacionados.
Sendo assim, no caso em tela a indenização pelo dano moral foi pleiteada pelos membros da família, pois com a publicação da fotografia de pessoa já falecida, o direito da personalidade ofendido foi o dos familiares, que têm, dentre os seus direitos da personalidade, o direito de proteger os valores personalíssimos do morto. Portanto, se o parente vivo é a vítima da lesão ao parente morto, nas ações de indenização a legitimação dos familiares será ordinária, porquanto defendem em nome próprio, direito próprio.
Nesta esteira, o Código Civil ainda apresenta o “princípio da reparação integral nos casos de lesão a direitos da personalidade”, que se encontra elencado no artigo 12 do diploma legal, in verbis:
“Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.”
O mesmo artigo da lei cível, em seu parágrafo único consagra os direitos do “de cujus”, dando aos seus sucessores a legitimidade para pleitear indenização em caso de danos à personalidade do indivíduo morto:
“Art. 12.
(…) Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.”
Cabe salientar ainda, que esta legitimidade não é concorrente, pois o parentesco mais próximo virá a excluir o mais distante, conforme o direito sucessório presente no mesmo código, o que não impede eventual litisconsórcio facultativo.
Ao final, este entendimento é favorável tanto à pessoas vivas ou as pessoas mortas, observando-se o já citado direito dos sucessores de defender o direito da personalidade da pessoa. Em suma, como advogado compreendo que, além das garantias cíveis, os direitos da personalidade ainda contam com proteção penal, que não exclui a garantia constitucional de indenização e resposta.
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