Revisão Criminal – Qual o procedimento

Por Dr. Wander Barbosa em

COMO UTILIZAR A REVISÃO CRIMINAL

 

Aspectos da Revisão Criminal

Advogado em São Paulo – Advogado Especialista em Direito Penal. Master Off Law (LLM) em Direito Empresarial IBMEC – São Paulo -SP. wander.barbarbosa@wrbarbosa.com.brMaster Off Law (LLM) em Direito Empresarial

IBMEC – São Paulo -SP. wander.barbarbosa@wrbarbosa.com.br

A falibilidade humana não impede a dinâmica da vida. Acertamos, erramos e corrigimos. A evolução vincula-se mais à emenda do que à exação. Se no plano moral é vital a preocupação em conhecer o bem e o concretizar, retificando sempre que dele nos afastemos, no campo jurídico a aplicação das normas deve realizar o justo e, da intimidade do próprio sistema legal, exsurgir mecanismos de ajuste e correção.

O ser humano lesiona bens jurídicos essenciais à convivência social e se lhe impõem sanções rigorosas visando expiação e readaptação que, intensamente afetando sua natureza, estimulam os demais à conduta adequada. A dramática tarefa de acusação, defesa e julgamento, marcada por nossa evidente fraqueza, pode provocar injustiças. Culpados são absolvidos e inocentes condenados. É preciso que aqueles possam ser punidos 1 e estes absolvidos. A coisa julgada, “imutabilidade da sentença ou de seus efeitos”, 2 abre passagem à realização do justo. Erige-se a revisão criminal para correção de erro judiciário.

Instituída no Brasil, “pelo Decreto 847, de 11.11.1890, sendo mantida pela Lei 221, de 20.11.1894, e como resultante do que dispunha o art. 81 da Constituição de 24.2.1891, realçando Galdino Siqueira, que “veio substituir o antigo recurso de revista, que tinha lugar nos casos de manifesta nulidade das sentenças e injustiça notória das mesmas, e cujo processo vem da Lei de 18.9.1828, Resolução de 31.8.1829, decretos de 9.11.1830, 20.9.1833 e 17.2.1838 etc.”. Se a Constituição de 1891 e a de 1934 deferiram o conhecimento da revisão criminal, aquela ao Supremo Tribunal Federal, e esta à Côrte Suprema, a Carta Constitucional de 10.11.37 assim não a considerou, de sorte que ficou aos Tribunais de Justiça dela conhecer, o que não foi alterado pela atual Constituição, e o Código de Processo Penal (LGL\1941\8) a regulou neste Capítulo, determinando que será admitida nos processos findos, isto é, quando se tratar de condenação penal irrevogável, de primeira ou de segunda instância”. 3 O direito positivo nacional não prevê a desconstituição de decisões absolutórias.

Na Constituição da República (LGL\1988\3) cabe ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, “a revisão criminal e a ação rescisória de seus julgados” (art. 102, I, j). Igual a competência do Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, e). Similar o campo dos Tribunais Regionais Federais (art. 108, I, b). Acha-se a matéria regulada no Código de Processo Penal (LGL\1941\8) (arts. 621 e ss.). No Estado de São Paulo está disciplinada pelo Regimento Interno do Tribunal de Justiça (arts. 585 e ss.) e por igual diploma do Tribunal de Alçada Criminal (arts. 180 e ss.).

“Muito discutida é a natureza jurídica da revisão. Uns a entendem como uma função sui generis, mais de ação rescisória do que recurso, e que foi instituída no Brasil pelo Decreto 847, de 11.11.1884, e mantida pela Lei 221, de 20.11.1894, de acordo com a Constituição de 1891, para substituir o antigo recurso de revista. Outros a consideram como remédio jurídico processual e não recurso ou revista. Há os que o entendem como recurso excepcional, por só caber de sentenças transitadas em julgado pois pretendem que todo recurso é ação, ou recurso misto. A opinião mais aceita, realmente, é a de que a revisão deve ser considerada como ação penal já que ela instaura uma relação jurídico-processual contra a sentença transitada em julgado. É, pois, uma ação de conhecimento de caráter constitutivo, destinada a corrigir a decisão judicial de que já não caiba recurso”. 4

 

Revisão CriminalDissecando a questão, Pontes de Miranda escreve que o “que caracteriza o recurso é ser impugnativa dentro da mesma relação jurídica processual em que ocorreu a decisão judicial que se impugna. A ação rescisória e a revisão criminal não são recursos; são ações contra sentenças, portanto – remédios jurídicos processuais com que se instaura outra relação jurídica processual. A impugnativa, em vez de ser dentro, como a reclamação do soldado contra seu cabo, é por fora, como o ataque da outra unidade àquele de que faz parte o cabo. O soldado foi pedir a atuação alienígena. É erro dizer-se que ação rescisória ou revisão criminal é recurso, como falar-se de reabertura extraordinária da lide trancada pela força do caso julgado. A ação rescisória vai, exatamente, contra a eficácia formal da coisa julgada: quebrada essa muralha de eficácia formal, já está o processado, a relação jurídica processual, que a preclusão fechara e fizera cessar; exsurge, não se reabre; o juízo rescisório não é reinstalação, mas volta à vida, ressurreição. Não se reconstrói a casa, que se fechara; abre-se a porta (= destrói-se a sentença) e reocupa-se a casa”. 5

“Trata-se, assim, de uma “ação penal especial” (Vicente de Azevedo e outros), “constitutiva negativa” (Pontes de Miranda), de natureza reparatória, “complementar, destinada a rescindir a sentença condenatória em processo findo” (Frederico Marques), em que o “Estado-Administração assume a posição de réu, pois que o sujeito passivo da lide é aquele para quem a decisão rescindenda convém continue a constituir coisa julgada, em desfecho cuja manutenção, em princípio, interessa à tranqüilidade social, já que a presunção inicial é de que a sentença manifesta o justo, sendo considerada a própria afirmação da verdade pela palavra do “Estado-Juiz”. 6

Como vimos, disciplinada pelo Código de Processo Penal (LGL\1941\8) (arts. 621 e ss.), a revisão criminal dos processos findos será admitida “quanto a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos”, “quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos” ou “quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial de pena”. Explica Magalhães Noronha que “contrária ao texto expresso da lei é a sentença que nega sua existência ou realidade, ou não o aplica consoante a própria lei estabelece. Tal não ocorre com a interpretação, desde que ela, com desprezo de regras e princípios indeclináveis de hermenêutica, não leve àquele resultado. É contra a evidência dos autos a sentença que, ao arrepio da prova, contra a certeza da inocência do réu, demonstrada no processo, o condena. Não assim a que não se apóie na versão predominante, o que está de acordo com o livre convencimento do julgador. É contra a evidência dos autos a sentença que se divorcia de todos os elementos probatórios”.

E prossegue, a “falsidade probatória é outra causa de revisão. De feito, não se compreende possa subsistir sentença que se apoiou em depoimento, documento, exame, etc., que depois se demonstrou ser falso. Seria consagrar o ludíbrio da Justiça. É mister, entretanto, que a prova falsa tenha sido a razão de decidir. Ainda que falso um testemunho ou mentirosa uma perícia, se outras provas (depoimentos, confissão, exames, etc.) autorizarem a condenação, carece de fundamento o pedido revisional”.

Por fim, o “aparecimento de novas provas que mostrem a inocência do acusado ou lhe suavizem a situação é também fundamento do pedido de revisão”. 7

A revisão criminal não sofre limitação temporal e pode ser intentada antes ou depois da extinção da pena. Sem novas provas não pode ser reiterada. Estão legitimados para a propositura o próprio réu, diretamente (“deve-se consignar que a revisão criminal tem, como o habeas corpus, natureza de ação e de reclamação. E não se exige para o exercício do direito de petição, constitucionalmente assegurado ‘art. 5.º, XXXIV’, que a capacidade postulatória do interessado seja suprida por defensor técnico” – Rev. Crim. 151.854-3/5, TJSP, 3.º Grupo de Câmaras, v.u., j. 8.6.95, Rel. Fanganiello Maierovitch) ou por procurador legalmente habilitado (dispensada procuração com poderes especiais – RT 567/401), ou, no caso de morte daquele, pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. Não é necessário o recolhimento à prisão (Súmula 393 (MIX\2010\2117), do STF). É discutível a legitimidade do Ministério Público para requerer revisão criminal (Justitia 99/73; RT 694/375).

As revisões criminais são julgadas, em São Paulo, pelos Grupos de Câmaras (art. 181, I, b, do RITJSP, e, art. 181, do RITACrim). O requerimento será distribuído a um relator e a um revisor. Deverá ser acompanhado de certidão de trânsito em julgado da decisão condenatória e das peças necessárias à comprovação dos fatos alegados. Se viável, deverão ser apensados os autos originais. Pode ser indeferido in limine se insuficientemente instruído e inviável o apensamento citado, o que se mostra especialmente interessante neste momento histórico, pois inexistem recursos para expansão dos quadros judiciários, houve aperfeiçoamento do serviço de auxílio jurídico aos necessitados com remuneração aos dativos e está organizada a Procuradoria de Assistência Judiciária. “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” (art. 5.º, LXXIV, da Constituição da República (LGL\1988\3)). Cresce o número de feitos. Faz-se imprescindível a racionalização dos trabalhos, diminuição das pautas e esforço para efetivo combate à criminalidade. Sem negar a prestação jurisdicional, mas empregando rigor na admissão de revisões criminais, acredita-se que se pode evitar interposições manifestamente infundadas e que prejudicam o exame de casos relevantes.

Há bom tempo já se diagnosticava o desvirtuamento do instituto devido ao “esquecimento de que não é a revisão uma nova apelação, com objetivo de ampla fiscalização do assentado no processo revidendo, mas apenas um extremum remedium juris deferido em casos excepcionais, taxativamente previstos, “che la legge aprresta contro il pericolo che al rigore delle forme siano sacrificate le esigenze della veritá e della giustizia reale” (A. Marsico, “Lezioni di Diritto Processuale Penale, ed. 1938, p. 310) e que o ônus da prova toca ao peticionário”. 8

Neste sentido, louvável a experiência do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo:

“A revisão criminal é uma ação penal, originária de 2.ª instância, objetivando desconstituir uma sentença condenatória transitada em julgado e que tem por finalidade corrigir excepcionais casos de erro judiciário, equivalendo a ação rescisória civil. Por ser uma ação, está sujeita às condições de procedibilidade inerentes a toda ação. Por outro lado, a revisão criminal, viola a autoridade da coisa julgada, e conseqüentemente, só pode ser admitida quando se enquadra, rigorosamente nas hipóteses taxativas enumeradas em lei, ou seja, no art. 621 do CPP (LGL\1941\8). Assim sendo, para que a ação tenha seguimento, precisa passar por um juízo de admissibilidade, com verificação dos pressupostos básicos de formação da instância de conhecimento. Se o Estado é invocado para a prestação jurisdicional, cabe-lhe fiscalizar a petição inicial para evitar o nascimento de causas inviáveis e por conseguinte, perda de tempo, e de dinheiro, bem como poupando o Tribunal de desperdício de atividade” (AgRg 234.538/9 – Tribunal Pleno – j. em 2.6.93, Rel. Hélio de Freitas, RT 707/305).

Arrematando, o “pedido pode ser indeferido liminarmente pelo relator se insuficientemente instruído ou manifestamente incabível, sem que isso implique invasão do mérito, cabendo dessa decisão recurso ao órgão competente para julgamento da revisão. Esse recurso é o recurso no sentido, estrito, portanto, o prazo de 5 dias, admitindo a retratação”. 9

Vencido o juízo de delibação, deverá ser aberta vista ao Ministério Público que emitirá parecer em dez dias. Examinado pelo relator e revisor, o pedido será julgado na sessão a ser designada pelo presidente.

Nesta, acolhendo a pretensão, poderá ser alterada a classificação da infração, absolvido o réu, modificada a pena ou anulado o feito. Não pode ser agravada a pena em detrimento do réu.

A absolvição implica no restabelecimento de todos os direitos perdidos em razão da condenatória precedente. Compete ao juiz da execução da pena o cumprimento do acórdão que defere a revisão criminal. Está prevista indenização justa pelos prejuízos sofridos em decorrência da condenação rescindida. Veda-a o Código de Processo Penal (LGL\1941\8) se o réu contribuiu para o erro ou injustiça ou se tratar de ação penal de iniciativa privada. 10 Todavia, sustenta-se que a Constituição da República (LGL\1988\3) tornou incondicional a indenização por erro judiciário. 11 Na hipótese de falecimento do condenado no curso da revisão, deverá ser nomeado curador para a defesa.

O Código de Processo Penal (LGL\1941\8) impede que funcione como relatar de revisão criminal julgador que tenha pronunciado decisão em qualquer fase do processo (art. 625, caput). Nesta linha o Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo (“Não poderá servir como relator desembargador que tenha proferido decisão em qualquer fase do processo em que se deu a condenação ou a imposição de medida de segurança – art. 586, § 5.º”). Livre a distribuição quanto aos demais integrantes da turma julgadora. Salienta-se que quanto “ao julgamento, nenhuma particularidade propriamente, para a revisão criminal; segue a forma dos julgamentos perante o Tribunal, ou as Câmaras reunidas, de acordo com os preceitos do respectivo Regimento Interno. Fixou o Supremo Tribunal Federal, aos 25.1.53, não ser a revisão criminal “recurso propriamente dito, mas remedium juris diferente; corresponde à rescisória; o juiz, que condenou, na 1.ª instância, não está impedido de votar, na 2.ª, como convocado, ao ser julgada revisão” (ac. de 25.1.53); rec. ext. crim. 21.398, Rel. Min. Luiz Gallotti; Diário da Justiça de 15.2.54, p. 481). De fato, a-não-ser a proibição de funcionar como relator quem, em qualquer fase do processo (1.ª ou 2ª instância), proferiu decisão – inserta no art. 625 do CPP (LGL\1941\8), não há impedimento para, no julgamento da revisão criminal, tomar parte tanto o desembargador, que, em recurso, apreciou o feito, quanto o próprio juiz prol ator da sentença condenatória (ou da absolutória, reformada pelo Tribunal no recurso ordinário), ou de alguma decisão outra, no juízo inferior”. 12

Mais recentemente decidiu o Supremo Tribunal Federal que o “art. 625 do CPP (LGL\1941\8) determina que o requerimento da revisão será distribuído a um relator e a um revisor, devendo funcionar como relator um desembargador que não tenha pronunciado decisão em qualquer fase do processo. Essa proibição não impede que, vencidos o relator e o revisor, seja designado, para lavrar o acórdão indeferitório da revisão, o desembargador que tenha funcionado como relator da apelação, por ter sido o autor do primeiro voto vencedor (1.ª Turma, Rel. Min. Soares Muñoz, em 6.9.84, RT 597/389).

Inexiste vedação legal à emissão de parecer em revisão criminal pelo Procurador de Justiça que atuara na fase recursal precedente. Ao contrário, é o órgão naturalmente melhor preparado para defender o título executório penal obtido. Titular da pretensão punitiva, por seus órgãos de execução, o Ministério Público acusa e, ultrapassada a oposição entre o direito de punir e o estado de liberdade, conquista para o Estado-Administração o poder-dever de aplicar concretamente a lei penal com o fito de assegurar a paz social e reeducar o culpado. Em princípio, regular e justa, a decisão condenatória transitada em julgado deve ser preservada. Ninguém melhor do que o membro do parquet que oficiara anteriormente para, na ação de revisão criminal, defender a condenação obtida que o réu-autor busca desconstituir.

Acrescente-se que o Ministério Público tem ampla legitimidade para propugnar benefícios legais ao processado e recorrer em favor do condenado (STF, RECrim. 86.088, DJU 12.12.77, p. 9.037). Ao Procurador de Justiça é reconhecido o direito de impetrar habeas corpus perante o Supremo Tribunal Federal para cassar acórdão do Tribunal de Alçada Criminal ou do Tribunal de Justiça que omita formalidades legais em prejuízo do acusado (STF, HC 67.630-8, DJU 15.3.91, p. 2.646; RT 634/374). Incumbe-lhe interpor embargos de declaração, recurso extraordinário e especial (art. 7.º, d, do Ato 31/94, CPJ). Quando transita em julgado uma decisão penal condenatória que ultrapassou todos estes controles pode-se concluir que o Ministério Público, em princípio, está satisfeito com o resultado da lide e, defensor da “ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127, caput, da Constituição da República (LGL\1988\3)), deve velar pela manutenção da procedência da ação penal.

A regra é que todo agente público tem plena capacidade para praticar os atos de sua atribuição em decorrência da investidura. Os impedimentos legais são exceções e estas não podem ser ampliadas. Inexiste vedação explícita à atuação do Procurador de Justiça em revisão criminal de processo no qual funcionara em grau de apelação ou de outro recurso. Os Desembargadores não estão impedidos de prestar jurisdição revisional nestas hipóteses, eis que somente não podem funcionar como relatores (art. 625, caput, do CPP (LGL\1941\8)).

Inviável exigir da parte o que não se exige do julgador. Houvesse impedimento e a própria unidade da Instituição poderia ser afetada, eis que o Procurador Geral da Justiça não poderia atuar nas revisões criminais das ações penais que diretamente movimentara (art. 116, LOMP (LGL\1993\31)); obtendo condenação transitada em julgado, teria que se afastar do caso para que seu substituto legal defendesse ou não a decisão procedente.

Convém ao interesse público a vinculação do Procurador de Justiça oficiante em processo em grau de recurso na revisão criminal respectiva porque está melhor aparelhado para a defesa do título executório obtido. Inexiste vedação legal ao exercício desta função. A conclusão traz benefício concretos à racionalização dos serviços, eis que atuará na revisional o órgão ministerial que melhor conhece o caso penal em julgamento e, empregando o conhecimento pretérito da causa, emitirá parecer com menos esforço e menor emprego de tempo e, assim, reservará suas potências para os casos de maior complexidade.

Finalmente, embora respeitável, não se pode aceitar o argumento segundo o qual a revisão criminal, última oportunidade do condenado, deva ser examinada por Procurador de Justiça que não tenha emitido parecer contrário ao réu, pois é próprio do Ministério Público, faz parte de sua honrada tradição e diuturnamente se vislumbra em seus membros inesgotável amor à verdade real, desassombrada busca desta e pronta revelação da mesma nos autos. É do perfil deste Órgão a capacidade de lutar pela Justiça e a disposição vitalizante de mudar de opinião jurídica sempre que houver alteração de sua base de incidência. É autorizada a convicção de que não pode mudar seu entendimento o Procurador de Justiça se presentes os mesmos dados fornecidos e inocorrente nova forma de enfocar racionalmente as questões anteriormente deduzidas. Alterada a prova ou evidenciado erro na formação do convencimento, deve o Procurador de Justiça, livremente, emitir seu parece em consonância com a nova realidade fática ou racional. Não se acredita que, por inércia, apegar-se-ia ao erro. Espera-se que, por dinâmica compatível com a missão social constitucionalmente atribuída, renovadamente lute pela mantença da condenação justa.

Outra proposta que poderia contribuir para adequação da revisão criminal ao nosso tempo vincula-se à desconstituição de julgados expendidos pelo Tribunal do Júri.

A Constituição da República (LGL\1988\3), fruto de renovação social e política, disciplina a ordem jurídica visando ensejar à Nação o grau de civilidade imprenscindível ao bem de todos. A tranqüilidade da ordem é necessária à evolução de cada pessoa. Uma verdadeira Democracia não se faz sem liberdade e não há liberdade sem vida.

“Por isso mesmo, a lei civil deve assegurar a todos os membros da sociedade o respeito de alguns direitos fundamentais, que pertencem por natureza à pessoa e que qualquer lei positiva tem de reconhecer e garantir. Primeiro e fundamental entre eles é o inviolável direito à vida de todo ser humano inocente”. 13

Punível todo atentado ao bem jurídico vida, compete o julgamento da conduta do infrator ao Tribunal do Júri e, neste, “continua a ver-se uma prerrogativa democrática do cidadão, uma fórmula de distribuição da justiça feita pelos próprios integrantes do povo, voltada, portanto, muito mais à justiça do caso concreto do que à aplicação da mesma justiça a partir de normas jurídicas de grande abstração e generalidade”. 14 Atribuição jurisdicional soberana reconhecida na Constituição da República (LGL\1988\3) (art. 5.º, XXXVIII) e que “deve ser entendida como a “impossibilidade de os juízes togados se substituírem aos jurados na decisão da causa”, e, por isso, o Código de Processo Penal (LGL\1941\8), regulando a apelação formulada em oposição à decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos (letra d do inciso III do art. 593), estabelece que o Tribunal ad quem, dando provimento, sujeitará o réu a novo julgamento (§ 3.º do art. 593) perante o Tribunal do Júri”. 15

Tanto assim é que se mostra inviável o cancelamento de qualificadoras acolhidas pelo Conselho de Sentença quando do julgamento de apelação pelo Tribunal de Justiça.

“No caso de apelação contra o veredicto, entretanto, impõe-se o princípio da soberania do Júri (alínea d). O Tribunal não pode substituir a decisão proferida pelos jurados. “Aos tribunais superiores”, afirma José Frederico Marques, “o objeto do juízo, na sua competência funcional, se restringe à apreciação sobre a regularidade do veredicto, sem o substituir, mas pronunciando ou não pronunciando o sententia rescindenda sit” (Elementos, cit., v. 3, p. 263). Por isso, entendendo que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, só resta ao Tribunal determinar que o réu seja submetido a novo julgamento (art. 593, § 3.º). A lei não permite que se sobreponha à decisão do Júri”. 16

Neste sentido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

“Reconhecida pelo Júri circunstância qualificadora do crime de homicídio, não pode o Tribunal, sob fundamento de considerá-la contrária à prova dos autos, desclassificar o crime e retificar a pena no julgamento da apelação. Ocorrendo esta última hipótese, a solução que preserva a soberania do Júri é a submissão do réu a novo julgamento” (STJ, 5.ª Turma, Rel. Assis Toledo, REsp. 45.272-4-MG, DJU de 17.10.94, p. 27.907; 6.ª Turma, Rel. Costa Leite, REsp. 12.011-0-GO, DJU de 3.8.92, p. 11.336; 6.ª Turma, Rel. Vicente Cernicchiaro, REsp. 13.768, DJU de 17.2.92, p. 1.382).

Percebe-se que não seria razoável que réu condenado pelo Tribunal do Júri que apelasse porque o acolhimento de qualificadora afrontaria a prova e obtivesse do Tribunal de Justiça o cancelamento daquela sem encaminhamento a novo julgamento, mas tivesse este acórdão cassado pelo Superior Tribunal de Justiça e, assim, fosse a causa novamente julgada pelo Tribunal do Júri e, mantida a votação que acolhia a qualificadora, inviável nova apelação pelo mérito e, portanto, transitando em julgado a decisão, pudesse afastar referida qualificadora por meio de revisão criminal. Assim, embora se respeite entendimento doutrinário e jurisprudencial que admite livre desconstituição de decisão emanada no Tribunal do Júri e que, sem remessa a novo julgamento, desde logo absolva o réu, sustenta-se que nesta hipótese há violação à soberania daquele órgão da justiça.

Portanto, julgando revisão criminal de decisão proveniente do Tribunal do Júri e considerando que a condenação afronta à prova, cabe ao Tribunal de Justiça deferir a ação para submeter o peticionário a novo julgamento perante o Tribunal Popular. Se antes da formação da coisa julgada, com sua autoridade própria, não podia o Tribunal de Justiça absolver o acusado, parece natural que, esgotados os recursos, emitido título executório que se presume justo, seja permitida apenas a solução renovatória do julgamento pelo Tribunal Popular. Acrescente-se que se a nova ordem constitucional protege os direitos individuais, em face do princípio da igualdade e do acesso de todos os litigantes ao contraditório e à ampla defesa, assegura a ampla acusação e promove a inviolabilidade do direito à vida (art. 5.º, caput e inciso LV, da Constituição da República (LGL\1988\3)), condição de gozo de todos os demais direitos, estabelecendo a soberania do Tribunal do Júri e, com isto, vedando que o condenado por este, via revisional possa ser exculpado, sem oportunidade do Ministério Público renovar a acusação perante o juízo constitucionalmente competente. Já que inexiste revisão criminal em favor da sociedade, razoável a interpretação que implique em nova oportunidade à promoção da justiça diante dos pares do ofensor.

“Cabe-me acrescentar que não é bom o argumento da douta maioria, extraído da letra do art. 626 do CPP (LGL\1941\8). O Decreto 3.689, que baixou esse Código, é de out./41, vigente a Constituição de 1937, que não preservava a soberania do Júri. Estava em vigor também o Dec.-lei 167, de 5.1.38, cujo art. 96 conferia ao Tribunal de Apelação a competência para reformar sentenças absolutórias do Tribunal do Júri, aplicando a pena cabível. Nesse regime, não havia restrição a fazer, a revisão podia abranger o Juízo “rescindens” e o Juízo rescisório. Restabelecida, contudo, a soberania do Júri, pela Constituição de 1946, e impedido o Tribunal de reformar sentenças condenatórias ou absolutórias, do Tribunal do Júri, já não é mais aquele o competente para o novo julgamento” (TJRJ, Des. Olavo Tostes, voto vencido, RT 475/353).

Nesta linha a doutrina autorizada. “A nosso ver, diante do § 28 do art. 141 da Constituição, os Tribunais de Justiça somente podem, em pedidos de revisão, proferir, dentro da casuística da lei (Código de Processo Penal (LGL\1941\8), art. 621), um iudicium rescindens. O iudicium rescissorium deve ser proferido em novo julgamento, feito pelos jurados, como nos casos de apelação, por determinação dos Tribunais de Justiça, quando julguem este ser o caso de revisão”. 17

“No nosso modesto entender o pedido revisional das decisões oriundas do júri só admite o juízo rescindendo, isto é, anular o julgamento, o seu limite. Ao júri caberá um novo julgamento, tal como na apelação, atento sempre ao princípio da soberania que dá ao Tribunal Popular toda a competência para o julgamento quanto ao merecimento. No nosso pensar, em tal hipótese deveriam surgir dois juízos: o da admissibilidade e o do julgamento, este só possível pelo júri”.18

Objetivando a segurança social, a racionalização dos trabalhos e o respeito à soberania do Tribunal do Júri proponho rigoroso juízo de admissibilidade de revisões criminais com liminar indeferimento das ações claramente desprovidas de fundamento, a legitimidade de emissão de parecer em revisão criminal pelo Procurador de Justiça que oficiara em grau de recurso precedente e a inviabilidade de absolvição de réu condenado pelo Tribunal do Júri, em sede revisional, devendo ser remetido a novo julgamento caso verificada afronta à prova.

1. 

Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo Penal, Jalovi, 1979, 5.ª ed., vol. 4.º, p. 438 e Hugo Nigro Mazzilli, Revisão “pro societate”, RT, vol. 594, p. 296.

2. 

Vicente Greco Filho, Manual de Processo Penal, Saraiva, 1993, 2.ª ed., p. 300.

3. 

Ary Azevedo Franco, Código de Processo Penal (LGL\1941\8), Forense, 1960, 7.ª ed., vol. 3.º, p. 183.

4. 

Julio Fabbrini Mirabete, Processo Penal, Atlas, 1994, 3.ª ed., p. 646.

5. 

Pontes de Miranda, Tratado da Ação Rescisória, Forense, 1976, 5.ª ed., p. 172.

6. 

José Luiz Vicente de Azevedo Franceschini, Da Restauração e Eficácia de Alguns Princípios da Revisão Criminal, RT, vol. 402, p. 15.

7. 

E. Magalhães Noronha, Curso de Direito Processual Penal, Saraiva, 1969, 3.ª ed., p. 418.

8. 

José Luiz Vicente de Azevedo Franceschini, tese citada, pp. 16-17.

9. 

Vicente Greco Filho, op. cit., p. 398.

10. 

Vicente Greco Filho, op. cit., p. 399.

11. 

Damásio E. de Jesus, Código de Processo Penal (LGL\1941\8) Anotado, Saraiva, 1991, 9.ª ed., p. 418.

12. 

Eduardo Espínola Filho, Código de Processo Penal (LGL\1941\8) Brasileiro Anotado, Editora Rio, Edição Histórica, 1976, vol. 2.º, p. 429.

13. 

João Paulo II, Evangelho da Vida, Loyola, 1995, p. 102.

14. 

Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, Comentários à Constituição do Brasil, Saraiva, 1989, vol. 2.º, p. 207.

15. 

Hermínio Alberto Marques Porto, Júri, Malheiros, 1993, 7.ª ed., p. 46.

16. 

Damásio E. de Jesus, Novas Questões Criminais, Saraiva, 1993, p. 13.

17. 

Jorge Alberto Romeiro, Elementos de Direito Penal e Processo Penal, Saraiva, 1978, p. 55.

18.

Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha,Dos Recursos no Processo Penal, Saraiva,, 1988, p. 175.

(Jaques de Camargo Penteado, Procurador de Justiça Secretário-Executivo da Primeira Procuradoria Pesquisador do Centro de Extensão Universitária)


Dr. Wander Barbosa

Wander Barbosa, CEO do escritório Wander Barbosa Sociedade de Advocacia. Master Of Law Direito Empresarial. Pós Graduado em Direito Civil e Processo Civil. Pós Graduado em Direito Penal. Especializado em Recuperação Judicial e Falências pela Escola Paulista da Magistratura.

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