Oferta Pública de Distribuição de Ações

Por Dr. Wander Barbosa em

A oferta pública de distribuição de ações como instrumento gerador de riquezas.
1.              1. INTRODUÇÃO

O objetivo do presente estudo é pontuar o regulamento das ofertas públicas no Brasil, sobretudo, com especial atenção às medidas adotadas pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM e outras entidades que asseguram o desenvolvimento do mercado de valores mobiliários.

As ofertas públicas de ações ganham maior relevância e sofisticação dadas ao seu amadurecimento. Examinamos assim, o regime jurídico das ofertas públicas no direito brasileiro por meio das disposições da Lei 6.404/76 e da ICVM 400.

Também, sob o aspecto econômico e social, analisamos os custos para que as empresas de menor envergadura, ou seja, de pequeno e médio porte, participem do mercado de ações e as medidas de desburocratização do processo de abertura do capital.
Sob esse aspecto, tecemos comentários sobre os custos de abertura de capital no Brasil em comparação aos custos observados em mercados estrangeiros, bem como, as políticas públicas adotadas com vistas à redução dos custos quando tratar-se de empresas com faturamento anual de até 10 milhões de reais.

Notadamente, o tratamento diferenciado destinado à estas companhias buscam viabilizar sua participação na formação de poupança pública, assegurando meios de captação de recursos imprescindíveis ao seu desenvolvimento, a execução de projetos de investimentos, o incentivo a produção, geração de empregos e o desejável cumprimento da função social da empresa.

Com efeito, com vistas aos benefícios decorrentes do desenvolvimento da atividade empresarial, franqueando-lhe a obtenção de recursos por meio do mercado de capitais, é patente o patrocínio de ambiente fértil a permitir a estas organizações cumpram a rigor o papel que delas se espera.

As ofertas públicas de distribuição de ações, portanto, atrelada à necessidade de adoção de políticas de controle, de governança corporativa e rigorosos programas de compliance evidenciam um mecanismo eficaz para esta finalidade.

Por fim, são apontadas e discutidas as principais inovações do Código Anbid. Cabe lembrar que o aperfeiçoamento do mercado de capitais, abrangendo a qualidade e a transparência necessárias, somente pode ser alcançado com a fixação de normas adequadas que visem à proteção do mercado e dos investidores, com a fiscalização e repressão de irregularidades, abusos e ilicitudes e com o fortalecimento das instituições que o integram.

Assim, em um esforço da Comissão de Valores Mobiliários – CVM – e de outras entidades, houve nos últimos anos um notável desenvolvimento na regulamentação brasileira relacionada ao mercado de capitais e, em especial, relacionada às ofertas públicas, como se demonstra a seguir.

 

 

2.             2. ELEMENTOS HISTÓRICOS

Com origem na Inglaterra, na cidade de Londres, em meados do século passado, a Oferta Pública de Ações generalizou-se e ganhou contornos Norte Americanos a partir do ano de 1980.

É considerada como um instrumento de modernização e de internacionalização dos negócios, criando riqueza e permitindo o crescimento externo das empresas (VIARNAUD., 1989).

A partir daí, generalizou-se de forma surpreendente, atingindo toda a economia global. Recentemente, assistimos às mega ofertas que ensejam megafusões internacionais, em virtude tanto do desenvolvimento tecnológico como da globalização da economia e das novas necessidades dos países em desenvolvimento que apresentam um alto percentual de crescimento do seu Produto Interno Bruto (PIB), como a China.

O crescimento e evolução econômica, em todo o mundo, permitiu o aparecimento de negócios envolvendo dezenas de bilhões de dólares. Com relação às empresas que negociam suas ações em Bolsas de Valores, essas submetem-se ao regulamento de seus respectivos países sede, não havendo uniformidade nesse sentido de natureza global.

A matéria é tratada de modo distinto nas várias legislações. Nada obstante o esforço europeu para uma harmonização legislativa, que não pretende ser uma unificação do regime legal, dando, ao contrário, certa faixa de liberdade a cada Estado na sua regulamentação dessa matéria.

Esse caráter nacional das normas referentes às ofertas públicas se explica pelo conteúdo econômico e político do regime de fusões e aquisições. Lembra, neste sentido, Alain Viandier que “a self-regulation inglesa não tem regime semelhante na Europa: o contexto americano da OPA é muito diferente do francês ou do alemão.

Assim sendo, a 13.ª Diretriz Européia que procurou encontrar o mínimo denominador comum entre essas várias legislações perdeu densidade, tornando-se um amálgama de princípios gerais, para não dizer de bons sentimentos de tal modo que nela não se pode reconhecer a existência de um texto federativo”. (VIANDIER, 2001)

Todavia, nada obstante a diversidade de legislações que tratam da matéria, encontramos duas finalidades básicas comuns às legislações existentes na matéria, que são reflexos de princípios gerais do direito constitucional e do direito comercial.

O primeiro é o princípio da igualdade de todos os titulares que tenham os mesmos títulos e o segundo é o da transparência, que abrange, como consectários, a full disclosure[1] e a lealdade.

Sob esse aspecto, alinhando-se ao modelo brasileiro e que adotou o princípio do full and fair disclosure é que se desenvolverá o presente estudo, notadamente quanto à Oferta Pública de Distribuição de Ações e seus impactos diretos nas operações da Companhia e seus reflexos indiretos na economia e suas modalidades.

3.             3.FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5.º, XXIII e também no art. 170, III, é categórica ao afirmar que a propriedade atenderá à sua função social. Uma vez que não tenha feito ressalvas, diferente não o será com a propriedade empresária.

A função social da empresa é, pois, uma decorrência natural da função social da propriedade.

No caso sub examine, portanto, passamos a comprovar que, a Oferta Pública de Distribuição de Ações, enquanto mecanismo hábil a viabilizar a captação de recursos a serem investidos no crescimento e desenvolvimento da atividade empresarial está diretamente vinculada ao comando constitucional, ou seja, priorizando e viabilizando o fortalecimento da economia por meio da contribuição no exercício da atividade empresarial.

A respeito da diferença entre “empresa” e “meios de produção”, José Afonso da Silva, citado por Luiz Fernando de Camargo Prudente do Amaral, assevera que estes são os aplicados “na produção de outros bens ou rendas, como as ferramentas, máquinas, fábricas, estradas de ferro, docas, navios, matérias-primas, a terra, imóveis não destinados à moradia do proprietário, mas à produção de rendas” (PRUDENTE, 2008).

Aponta, também, que as mercadorias podem ser tidas como meios de produção, enquanto estejam contidas na universalidade da empresa (COMPARATO, 1995).

É, pois, entendendo a função social da empresa como derivada da função social da propriedade, que Gladston Mamede afirma que
“o mesmo princípio se aplica à empresa, falando-se, via de consequência, em função social da empresa, expressão e princípio que traduz a necessidade de considerar, sempre, o interesse que a sociedade como um todo, organizada em Estado, tem sobre a atividade econômica organizada, ainda que se trate de atividade privada, regida por regime jurídico privado.

Não se pode deixar de considerar o interesse da coletividade na existência e no exercício, ou não, das faculdades privadas: a cada faculdade, mesmo individual, corresponde uma razão de ser (uma função) dentro da sociedade” (MAMEDE, 2007)
E é em razão desse interesse social sobre institutos privados, que o Direito por vezes procura proteger a empresa, como muito bem se vê na Lei 11.101/2005 (Lei de Falências e Recuperação de Empresas) e as políticas de facilitação à participação daquelas de pequeno e médio porte no mercado de ações.

Tal proteção, como observa Mamede, “não é proteção do empresário, nem da sociedade empresária, mas proteção da comunidade e do Estado que se beneficiam – no mínimo indiretamente – com a produção de riquezas” (MAMEDE, 2007).

Tanto assim é que a referida Lei de Falências afirma categoricamente, em seu art. 47, que:

“A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a separação da crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

Portanto, a função social da empresa é, então, um modo de agir da empresa que, sem deixar de buscar seus interesses, também atenda à sociedade na forma e na medida em que esta sociedade o exigir, notadamente em razão da criação de riquezas e a correspondente possibilidade de participação de terceiros nos resultados obtidos, ou seja, os investidores que aderem ao risco da atividade por meio da aquisição de ações.

A atenção tão adiantada do legislador pátrio à função social das empresas de sociedade anônima tem sua justificativa.

Ocorre que tal tipo de empresa se tornou, após sua criação, em virtude da possibilidade de um grande aporte de capital e da socialização dos riscos do empreendimento, em verdadeiros gigantes da economia, o que leva Ana Frazão a dizer, muito acertadamente, que as mesmas são “(…) o instrumento, por excelência, do capitalismo e da macroempresa (…)”. (FRAZÃO, 2011)

As empresas de economia aberta, assim, desempenham papel fundamental na sociedade e, justamente em razão da sua importância e do seu poderio econômico, políticas públicas de controle e fortalecimento mostram-se de vital importância.

4.              MODALIDADES DE OFERTA PÚBLICA DE DISTRIBUIÇÃO DE AÇÕES

A Instrução CVM 400 é o mecanismo legal que dispõe sobre as ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários, nos mercados primário ou secundário e que podem ser classificados como IPO ou Follow-ons.

Dentre as finalidades da Instrução CVM 400, encontramos já em seu artigo inaugural a seguinte descrição:

Art. 1º Esta Instrução regula as ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários, nos mercados primário ou secundário e tem por fim assegurar a proteção dos interesses do público investidor e do mercado em geral, através do tratamento eqüitativo aos ofertados e de requisitos de ampla, transparente e adequada divulgação de informações sobre a oferta, os valores mobiliários ofertados, a companhia emissora, o ofertante e demais pessoas envolvidas.

Esclarece a norma, em seu art. 3º, que a Oferta Pública de Ações “são atos de distribuição pública a venda, promessa de venda, oferta à venda ou subscrição, assim como a aceitação de pedido de venda ou subscrição de valores mobiliários”

São consideradas ofertas primárias quando a própria empresa é responsável pela venda de suas ações.

Nesse caso, há um aumento real do capital social da empresa com emissão de novas ações e os recursos resultantes da venda são canalizados para o caixa da empresa e utilizados em investimentos, financiamento de projetos ou outras necessidades.

Diferente das ofertas secundárias, quando as ações negociadas já são preexistentes e são colocadas à venda pelos seus detentores, sem qualquer ingerência da companhia. Acontecem quando um ou vários acionistas, que podem ser controladores da empresa ou não, colocam seus papéis à venda.

Como são ações já existentes, não há qualquer modificação no capital social da companhia. Nesse caso, os recursos financeiros resultantes da venda são canalizados para os acionistas vendedores, e não para a empresa.

4.1 – IPO – INITIAL PUBLIC OFFERING

Em inglês, IPO é a sigla para “initial public offering”, ou “oferta pública inicial” em português. Representa a estréia de uma empresa e quando receberá novos sócios realizando uma oferta de ações ao mercado. Ela se torna, então, uma companhia de capital aberto com papéis negociados no pregão da Bolsa de Valores.

Essa modalidade é, sobretudo, uma forma utilizada a formação de capital de terceiros, permitindo-se o investimento em novos projetos e expansão da atividade econômica.

É uma das formas que a empresa tem para levantar recursos.
A modalidade IPO, também chamada de oferta primária, ocorre quando da abertura do capital da empresa por meio da emissão de novas ações que serão adquiridas por novos investidores e que, evidentemente, se tornarão sócios da empresa.

Portanto, comparando-se a outras modalidades de obtenção de recursos, a captação de recursos por meio da emissão de novas ações representa uma possibilidade de financiamento onde não há a obrigação de pagamento periódico de juros ou amortização de principal.

Isso proporciona às companhias melhores possibilidades de alcançarem um equilíbrio em sua estrutura de capital, entre capital próprio e de terceiros.
As ofertas públicas de distribuição de ações correspondem, via de regra, a uma forma de captação de poupança pública e por essa razão, são disciplinadas por lei e regulamentadas pela CVM – Comissão de Valores Mobiliários. Objetiva o regramento legal permitir que todos os investidores participem da oferta em igualdade de condições e que possam tomar suas decisões de investimento de forma consciente e segura.

A decisão pela abertura de capital é, sem dúvidas, uma das mais importantes e complexas decisões a serem tomadas por uma empresa. Afinal, altera significativamente a estrutura organizacional, transforma o posicionamento estratégico, aumenta transparência e altera a forma como a companhia é vista pelo mercado e sociedade

4.1.1 VANTAGENS E BENEFÍCIOS[2]

4.1.2  – Financiamento de projetos e investimentos

A partir do momento que a empresa abre capital e se torna uma companhia aberta, terá a sua disposição e de forma recorrente, a possiblidade de valer-se do mercado através de novas captações, através das ofertas subsequentes e aproveitar mais rapidamente as oportunidades de mercado, podendo também continuar a se beneficiar do mercado de dívida corporativa.

4.1.3 Facilitação em Processos de M&A

A companhia aberta pode utilizar suas próprias ações como instrumento para aquisição de outras companhias, sem ser necessário desembolso de caixa. E após a abertura de capital, a empresa passa a ter um referencial de avaliação do negócio, sendo uma indicação do seu valor, o que facilita processos de fusões e aquisições.

4.1.4 Liquidez Patrimonial e Desinvestimento de Investidores Estratégicos.

A abertura de capital possibilita liquidez para empreendedores, sócios e investidores estratégicos, uma vez que empresas listadas podem vender ações de acionistas em mercado e viabilizando o desinvestimento de fundos de Private Equitiy e Venture Capital.

4.1.5 Visibilidade e Governança

O IPO estabelece uma transformação cultural na organização da empresa. Após a oferta pública inicial, é necessário atender exigências de governança corporativa com controles internos mais robustos e transparentes. Além disso, as companhias abertas, em geral, possuem maior visibilidade e reconhecimento de todos os públicos com os quais se relacionam, dado o volume de informações divulgados ao mercado, acompanhamento por parte de investidores e da mídia.

4.1.6  Perpetuidade dos Negócios

Muitas empresas familiares acessam o mercado de capitais como forma de perpetuar a história da companhia, que pode ser interrompida em um ciclo de sucessão familiar. Uma abertura de capital permite adicionar novos sócios e profissionalizar a gestão, facilitando processos sucessórios e de perenidade da companhia.

4.2 CUSTOS PARA ABERTURA DO CAPITAL

Diante da expectativa do aumento de IPOs para 2020, a PwC Brasil divulgou, no primeiro semestre de 2019, um estudo que revelou que os custos médios totais referentes à abertura de capital no Brasil são menores que os custos para operações realizadas nos Estados Unidos[3].

“Analisamos dados de IPOs brasileiros no período entre janeiro de 2004 e abril de 2008. Além disso, entrevistamos dezenas de CFOs e profissionais da área de relacionamento com investidores de companhias de capital aberto”, explica Kieran McManus, sócio da consultoria da PwC Brasil.

“Nossa base de comparação foi uma pesquisa, também feita pela PwC nos EUA, sobre o mercado de capitais norte-americano. Nesse período de janeiro de 2004 a abril de 2018, foram 182 IPOs de empresas brasileiras, sendo que 97% das ofertas ocorreram no Brasil”, completa.

De acordo com os resultados colhidos pelo estudo, no Brasil, os custos para manutenção da companhia que mantém seu capital aberto também são menores, com relevante vantagem se comparado aos custos registrados em outros países.

Segundo 75% dos CFOs cujas empresas são listadas no Brasil, os custos recorrentes de uma companhia aberta equivalem ou são menores que as expectativas iniciais.

Já no mercado norte-americano, 50% afirmam que os custos estão alinhados com as expectativas iniciais. Dois terços dos participantes no Brasil informaram que seus custos recorrentes como companhia aberta são inferiores a US$ 400 mil.

Em pesquisa realizada em 2017 pela PwC com empresas abertas dos Estados Unidos, 6% dos CFOs informaram custos recorrentes inferiores a US$ 500 mil.
“Os dados desse estudo mostram que o processo de listagem no Brasil é extremamente competitivo”, comenta Felipe Paiva, diretor de Relacionamento com Clientes-Brasil da B3.

“A meta da B3 é desenvolver o mercado de capitais e para tal estamos constantemente revisando nossas regras, buscando a proteção aos investidores com a adoção das melhores práticas de governança corporativa e viabilizando novas ofertas públicas de ações”.

Os custos relacionados ao processo de abertura de capital são classificados em dois tipos: (i) custos da oferta[4] – diretamente atribuídos à oferta; e (ii) outros custos organizacionais incrementais[5]. Segundo o estudo, no Brasil, os custos totais, em média, variam entre 2,5% e 5,6% do valor total da oferta, enquanto, nos Estados Unidos, os custos, em média, variam entre 4% e 11,7% do valor total da oferta.

Entretanto, é relevante a viabilização atrair a presença de empresas de menor porte e fomentar seu acesso ao mercado de capitais brasileiro, de modo a impulsionar os seus negócios e contribuir para sua manutenção em nosso mercado.

Assim, o tema ofertas menores – ou, em outras palavras, o acesso ao mercado por parte das pequenas e médias empresas (PMEs) – reputa-se uma preocupação bastante antiga do mercado brasileiro que envolve várias frentes: aspectos legais, normativos, práticas de mercado, concentração de agentes – incluindo intermediários e investidores profissionais –, tamanho do mercado brasileiro, entre outros.

Diferentes estratégias foram adotadas de modo a permitir o ingresso destas companhias ao mercado de ações, seja com simplificação dos processos burocráticos, sejam com medidas que tiveram como objetivo a redução dos custos para sua estréia.

Cumpre citar, exemplificativamente, o lançamento do Bovespa Mais, em 2005, que, baseado nos requisitos do Novo Mercado, não exigia free float imediato, de modo a viabilizar o acesso gradual das empresas ao mercado acionário e a Instrução CVM 588/2017, que normatizou o financiamento participativo por meio de plataformas eletrônicas (equity crowdfunding), contemplando empresas com receita bruta anual de até R$ 10 milhões.

É fato notório que empresas de menor porte exercem relevante papel no desenvolvimento econômico e social do país: com estruturas menos rígidas, adaptam-se mais rapidamente às demandas do mercado, de modo a promover a inovação e a livre concorrência, ao mesmo tempo que contribuem com a absorção de mão de obra e a geração de empregos.

Por outro lado, tais empresas muitas vezes carecem de mecanismos adequados para financiamento de seus investimentos de longo prazo e, não raro, recorrem ao crédito bancário para tanto.

Nesse aspecto, o acesso à poupança popular por intermédio do mercado de capitais é alternativa extremamente vantajosa e proporciona excelentes condições para geração de resultados e remuneração do capital investido se comparado a outros mecanismos financiadores de projetos de desenvolvimento e investimentos.

Desta forma, sua presença no mercado deve contemplar análise dos custos para sua qualificação.  E não é só. Com efeito, trata-se de processo que, além das despesas relacionadas à realização da distribuição pública em si, exige da companhia uma extensa adaptação a requisitos de governança e disclosure[6], demandando, ademais, a contratação de novos serviços e, frequentemente, o desenvolvimento de novas estruturas relacionadas, por exemplo, ao planejamento estratégico, à auditoria interna, ao gerenciamento de riscos e ao compliance[7].

Sobre esse aspecto, a Medida Provisória da Liberdade Econômica, editada em 30.04.2019, contemplou a inserção do artigo 294-A na Lei das Sociedades por Ações.
Em linhas gerais, o dispositivo conferia prerrogativa para que a CVM pudesse dispensar exigências legais para que companhias que se definirem como de pequeno e médio porte, tivesse seu acesso facilitado ao mercado de capitais.

Entretanto, aparentemente, a ausência de especificação dos poderes que seriam delegados à CVM acarretou a sua exclusão durante o processo de conversão da medida provisória em lei.

4.3 FOLLOW-ONS – OFERTAS SUBSEQUENTES DE AÇÕES

Follow-on é o termo em inglês para oferta subsequente. Como o nome já indica, trata-se de uma oferta de ações realizada por uma empresa que tem capital aberto e ações negociadas na bolsa de valores.

É, portanto, uma possibilidade que a empresa que já possui capital aberto, ou seja, já negocia suas ações no mercado, realizar novas emissões e com isso, captar os recursos que necessita para implementação de algum projeto de investimento.

Desta forma, considerando-se as possiblidades de obtenção de recursos existentes, dentre elas a tomada de empréstimos bancários, a oferta subsequente de ações posiciona-se como mecanismo mais vantajoso sob vários aspectos que a tomada de recursos por meio de empréstimos e financiamentos.

4.3.1 Proteção Aos Minoritários E Impossibilidade De Diluição

Entretanto, essa modalidade de captação de recursos e formação de poupança popular exige-se procedimentos especiais, dada a consequência que tal prática pode ocasionar, como passaremos a demonstrar.

Com efeito, a Lei 6.404, de 15.12.76, não restringiu a liberdade de aumento de capital vinda no bojo do revogado Dec.-lei 2.627/40, mas regulou a forma e as fontes de recursos (art. 166, e §§).

Exigiu, no caso de aumento voluntário por emissão de novas ações (salvo, é claro, o caso típico do capital autorizado), fosse feito por deliberação da assembléia geral extraordinária, com as formalidades previstas para a reforma do estatuto, o que implica, além de quorum especial, também a proposta justificadora.

Estatuiu também os critérios de fixação do preço de emissão das novas ações que enumerou, a saber: 1) a cotação das ações no mercado; 2) o valor de patrimônio líquido; 3) as perspectivas de rentabilidade da companhia (§ 1º do art. 170).

E ainda consagrou o direito de preferência, como direito essencial (arts. 107 e 171).

Observa-se como elemento de considerável ponderação, a impossibilidade de diluição da participação dos acionistas mediante estruturação específica.

Com essa estruturação legal pareceu que se protegeram os acionistas contra os excessos dos majoritários, em termos de aumento de capital através da emissão de novas ações, tanto mais que a lei dispôs, ao final do § 1º do art. 170: “sem diluição injustificada da participação dos antigos acionistas, ainda que tenham o direito de preferência”.

Evidente que tais medidas expressas para a fixação do preço das novas ações não decorrem somente da tese geral de que o preço deve conter um ágio (“prima”) para salvaguarda dos acionistas antigos,[8] cobrindo, assim, as reservas existentes, mas, também, da adoção, entre nós, da ação sem valor nominal (“no pair value shares” dos norte-americanos).

A inobservância a estruturação correlata fica submetida à possibilidade de controle judicial,  nem sempre declarando o ato nulo, mas inaugurar, para os acionistas prejudicados, a correspondente indenização por perdas e danos, conforme observado no julgado adiante citado, em que se observou a discrepância entre o valor das emissões e correspondente diluição.

STJ – REsp 1.190.755 – 4ª Turma – j. 21/6/2011 – v.u. – julgado por Luis Felipe Salomão – DJe 1/8/2011 – Área do Direito: Comercial/Empresarial; Societário
SOCIEDADE ANÔNIMA – Aumento do número de ações que dilui a participação dos antigos acionistas no capital social – Pretensão de anulação do ato deliberativo da assembleia – Inadmissibilidade – Fixação do preço de emissão da ação ou escolha de outro critério que consistem atos discricionários do órgão societário – Aumento de capital, ademais, que era necessário e urgente – Eventuais prejuízos dos sócios que devem ser perseguidos através de perdas e danos – Inteligência do art. 170, § 1.°, da Lei 6.404/1976.

A conclusão, portanto, decorre da interpretação do art. 170, § 1.°, da LSA, que não garante a equivalência na participação societária dos antigos acionistas, depois de se proceder ao aumento de capital, apenas impede a diluição injustificável dessa participação, geralmente, em abuso de poder dos controladores.

A equivalência da participação acionária é garantida pelo exercício do direito de preferência na aquisição dessas novas ações.

Importante ressaltar, para logo, que o art. 170, § 1.°, da LSA estabelece possibilidades e critérios para fixação do preço de emissão das ações, podendo ser adotado qualquer daqueles previstos no dispositivo, conjunta ou isoladamente, verbis:

“§ 1.° O preço de emissão deverá ser fixado, sem diluição injustificada da participação dos antigos acionistas, ainda que tenham direito de preferência para subscrevê-las, tendo em vista, alternativa ou conjuntamente:

I – a perspectiva de rentabilidade da companhia;
II – o valor do patrimônio líquido da ação;
III – a cotação de suas ações em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão organizado, admitido ágio ou deságio em função das condições do mercado”.

A redação do artigo conferida pela Lei 9.457/1997 (chamada Lei Kandir), como bem assevera Modesto Carvalhosa, não revela o real objetivo do legislador, que foi o de franquear às companhias “a adoção isolada do critério valor econômico, desprezando, assim, o valor do patrimônio líquido que sempre era levado em conta na fixação do preço de emissão”, traduzido pelo inc. I como “perspectiva de rentabilidade” (CARVALHOSA, 2008).

Basta dizer que o valor de referência para a fixação do preço, com base na cotação em bolsa, pode ser manipulado por movimentações artificiais de compra e venda de papéis, operação conhecida por churning, visando a dar a falsa impressão de consistência mercadológica (CARVALHOSA, 2008).

Por isso que, no mais das vezes, a proteção legal das minorias societárias volta-se contra o ágio artificial das ações, porquanto a elevação injustificada do preço de emissão pode impedir que os acionistas minoritários exerçam seu direito de preferência da compra desses novos papéis.

Essa é a precisa percepção de Fábio Konder Comparato em comentários a estudada regra de fixação dos preços das ações no aumento de capital:

“Nas relações internas de maioria e minoria, nas companhias fechadas, o problema que se põe não é o de colocação de ações, mas sim o de eventual abuso do poder de controle, o qual, digamos desde já, pode se consubstanciar muito mais sob a forma de fixação de preço de emissão excessivo, para marginalizar os minoritários, do que pela emissão a preço reduzido” (COMPARATO, 1991).

5. CONCLUSÕES

Denota-se, por meio do presente estudo, a existência de mecanismos com vistas ao patrocínio da atividade empresarial e as modalidades de mecanismos hábeis a permitir e incentivar seu crescimento e desenvolvimento.

A abertura do capital da empresa, por meio da Oferta Pública de Distribuição de Ações (IPO ou Follow-Ons) consistem em poderosos e eficazes mecanismos que capazes de posicionar a empresa em condições favoráveis ao seu crescimento e valorização, gerando riqueza para aqueles que dela participam diretamente e consequentemente, para a sociedade como um todo e em razão dos benefícios diretos e indiretos.

Com efeito, a empresa fortalecida, patrocina o crescimento da economia de uma nação por meio da produção e oferta de serviços e produtos, viabiliza a geração de novos postos de trabalho e contribui com a arrecadação de impostos.

A toda evidência, a abertura do capital figura-se como elemento indissociável ao princípio maior do dever de cumprimento da função social que se espera da empresa, notadamente em razão dos benefícios diretos e indiretos que tal modalidade de captação de recursos representa, associado às políticas de controle e governança que, efetivamente, posicionam como mecanismo de imposição de gestão profissionalizada e eficaz.

Entretanto, ainda que se observe no Brasil custos efetivamente menores quando da pretensão a abertura do capital, comparando-se aos números praticados em outras Nações, a adoção de políticas públicas e que tenham por objetivo favorecer e facilitar a participação da empresa no mercado de capitais, se mostra como imposição de inarredável providência.

Sobretudo em razão das empresas de pequeno e médio porte, merecedoras de especial atenção, especialmente em vistas ao seu potencial de crescimento e adaptação às novas exigências mercadológicas, a facilitação de sua abertura de capital mostra-se imprescindível como elemento criador de riquezas e prosperidade sob todos os aspectos.
 

  1. REFERÊNCIAS

B3. Guia do IPO na B3. Decisão pela abertura de capital, São Paulo.
CARVALHOSA, M. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. In: CARVALHOSA, M. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 528.
COMPARATO, F. K. A fixação do preço de emissão das ações no aumento de capital da sociedade anônima. Revista de Direito Mercantil, industrial, econômico e financeiro, v. 81, p. 80, jan-mar 1991. ISSN 81.
COMPARATO, F. K. Direito Empresarial: estudos e pareceres.. In: COMPARATO, F. K. Direito Empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 29.
FRAZÃO, A. Função Social da empresa. In: FRAZÃO, A. Função Social da empresa: repercussões sobre a responsabilidade civil de controladores e administradores de S/As. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. p. 196.
HTTPS://WWW.B3.COM.BR/DATA/FILES/09/C7/6D/4C/29207710FB5A3B67AC094EA8/B3%20-%20GUIA%20DO%20IPO.PDF.
MAMEDE, G. Direito Empresarial Brasileiro: empresa e atuação empresarial. In: MAMEDE, G. Direito Empresarial Brasileiro: empresa e atuação empresarial. São Paulo: Atlas, 2007. p. 54.
PRUDENTE, A. L. F. D. C. A Função Social da Empresa no direito Constitucional Econômico Brasileiro. São Paulo: SRS, 2008.
VIANDIER, A. prefácio à obra de Georges Lekkas. Paris: LGDJ, 2001.
VIARNAUD., P. A. L. G. E. J. C. OPA e strategies anti-opa un approheinternacional. Paris: Eska, 1989.

 
[1]  Nesse particular, em linha como o modelo regulatório consagrado nos Estados Unidos por meio da Securities Act of 1933 e hoje encontrado na maioria dos países, o direito brasileiro adota o princípio do full and fair disclosure, segundo o qual não cabe ao Poder Público imiscuir-se no exame de mérito das oportunidades de investimento oferecidas ao público, mediante a seleção prévia, por um quadro de técnicos especializados, daquelas julgadas mais promissoras e seguras. Compete-lhe, em vez disso, assegurar o acesso dos investidores a informações corretas, claras e completas para que possam, por conta própria, tomar a sua decisão de investimento de forma informada, assumindo conscientemente os riscos daí decorrentes. Nas palavras sugestivas do jurista norte-americano Louis Loss, um dos fundadores da moderna teoria dos valores mobiliário. Disponível em https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-contratuais/320556/o-contrato-de-underwriting-de-valores-mobiliarios.Acessoe 09/07/2022
[2] Disponível em https://www.b3.com.br/data/files/09/C7/6D/4C/29207710FB5A3B67AC094EA8/B3%20-%20Guia%20do%20IPO.pdf acessado em 09/07/2022.
[3] Disponível em: [www.b3.com.br/pt_br/noticias/ipo.htm]. Acesso em: 12.07.2020.
[4] Os custos da oferta estão relacionados aos honorários dos bancos subscritores (que coordenam a oferta e a distribuem aos investidores), honorários advocatícios e contábeis associados à elaboração do formulário de registro da oferta e carta de conforto, despesas incrementais, custos de impressão e taxas de registro.

[5] Os outros custos organizacionais incrementais estão relacionados aos custos adicionais de auditoria e de revisão dos relatórios, laudos de avaliação, custos de impostos e reestruturação de empresas antes do IPO e uma possível estrutura umbrella partnership Corporation e custos para elaborar novos contratos sociais, regulamentos do comitê de auditoria, estatutos sociais e outros acordos
[6] Disclosure é o ato de fornecer informações para todos interessados na situação de uma companhia. Este termo pode ser traduzido, de certo forma, como o ato de dar transparência à situação econômica da empresa. Além de interessar aos investidores, ele também é importante para outros agentes envolvidos na dia a dia da empresa, tais como clientes, fornecedores, funcionários e órgãos públicos.

[7] Compliance significa estar em acordo com as leis, padrões éticos e regulamentos internos e externos. A origem da palavra vem do verbo em inglês to comply, “obedecer uma ordem, procedimento”. O compliance é o guia de comportamento de uma organização perante o mercado em que atua no intuito de estar em conformidade com as obrigações legais da empresa e, portanto, estar em compliance com a governança corporativa, padrões éticos de conduta e com os controles internos.

[8] É a orientação da doutrina brasileira, praticamente unânime, na análise do § 1º do art. 170 da Lei 6.404/76.

 


Dr. Wander Barbosa

Wander Barbosa, CEO do escritório Wander Barbosa Sociedade de Advocacia. Master Of Law Direito Empresarial. Pós Graduado em Direito Civil e Processo Civil. Pós Graduado em Direito Penal. Especializado em Recuperação Judicial e Falências pela Escola Paulista da Magistratura.

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