Tráfico de Drogas Privilegiado – Possibilidade de Cumprimento de Pena no Regime Aberto
Previsto no Artigo 33 da Lei 11.343 (Lei de Drogas), o tráfico é um dos crimes tratados com maior rigor pela legislação brasileira, com previsão de pena mínima de 5 (cinco) e máxima de 15(quinze) anos.
Como não bastasse, o artigo 44 desta mesma Lei estabelece que estes delitos são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.
O tráfico de drogas é tratado com tamanho rigor em razão de sua equiparação aos crimes hediondos previstos na Lei 8.072 de 1990, que relaciona os crimes mais graves e estabelecem condições mais severas no cumprimento da pena pelo condenado.
Uma das condições mais rigorosas é a impossibilidade de início de cumprimento da pena em regime diferente do fechado. Ou seja, independentemente do tamanho da pena, o regime inicial será sempre o fechado.
Isto é o que está previsto no §1º do artigo 2º da Lei 8.072/90:
Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:
(…)
§ 1o A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado.
O mesmo rigor é reproduzido no Artigo 44 da Lei 11.343/2006:
Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.
Entretanto, ainda que se depare com excessivo rigor quanto ao crime de tráfico, cuidou o §4º do Artigo 33 da Lei 11.343 de estabelecer condições menos severas para o réu primário, com bons antecedentes e que não seja membro de organizações criminosas, autorizando o juiz a reduzir a pena entre um sexto a dois terços. Veja:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
(…)
§ 4o Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Desta forma, mesmo que o condenado viesse a ser beneficiado com a redução de pena e esta ficasse abaixo de dois anos, ainda assim se veria obrigado a iniciar seu cumprimento no regime fechado.
Neste caso, ou seja, quando sobreviesse pena inferior a 4 (quatro) anos, o regime inicial de cumprimento da pena poderia ser o regime aberto, por força do art. 33, §2º, Alínea ‘c’ do Código Penal que estabelece que “o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.”
Caminhando no mesmo sentido, o Artigo 44, I do Código Penal autoriza a substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos:
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:
I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo
Ainda, o condenado poderia ver-se livre do cárcere em razão do benefício aplicável às penas não superiores a dois anos.
É que, havendo condenação em pena inferior a 2 anos, incidirá no caso concreto, a possibilidade de aplicação da regra contida no Art. 77 do Código Penal, que permite, no caso concreto, a suspensão condicional da pena.
Art. 77 – A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que…”
Conforme se vê, o benefício em questão fora suprimido em razão da norma contida no §1º do Art. 2º da Lei 8.072 (crimes hediondos) que exige que o cumprimento da pena seja o regime fechado.
Em razão do excessivo rigor, por meio de inúmeras e reiteradas alegações de inconstitucionalidade constante do dispositivo retro pela classe deadvogados criminalistas, Habeas Corpus/RS 97.256 fora afetado para julgamento do plenário do STF, sobrevindo, finalmente, no dia 1º de setembro de 2010, acórdão declarando inconstitucional a expressão contida no supracitado parágrafo 4º, qual seja, autorizando-se o judiciário a permitir que o acusado primário, de bons antecedentes e que não integre organizações criminosas, possa ter sua pena convertida em restritiva de direitos.
Esse, o dispositivo do V. Acórdão proferido no HC97.256/RS
“Ordem parcialmente concedida tão somente para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei 11.343/2006, assim como da expressão análoga, “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante do §4º do Art. 33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex tunc, da proibição de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao juízo da execução penal que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da convolação em causa, na concreta situação do paciente.
Na ocasião, 4 (quatro) ministros votaram pela denegação da ordem e outros 6(seis) pela concessão.
Considerando-se a relevância do tema, o Senado Federal, no dia 15 de fevereiro de 2012, promulgou a Resolução nº 5, estabelecendo que:
Art. 1º É suspensa a execução da expressão “vedada a conversão em penas restritivas de direitos” do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal nos autos do Habeas Corpus nº 97.256/RS.
Da forma como aparentemente os debates foram encaminhados, pareceu pôr fim às controvérsias que margearam o tema, tudo indicando, finalmente, que, aquele condenado com base no artigo 33 da Lei 11.343, primário, de bons antecedentes e não integrante de organização criminosa não cumpriria pena em regime fechado.
Todavia, caminhando em sentido oposto à tese dos advogados criminalistas, parte da jurisprudência firmou-se no sentido de que o juiz não estaria vinculado à redução da pena prevista no §º4º do Artigo 33, impedindo que o condenado venha a cumprir a pena em regime aberto.
Nesse sentido, caminhando em sentido oposto à tese fixada no HC97.256 e Resolução nº 5 do Senado Federal, os tribunais brasileiros comumente vem proferindo decisões, conforme exemplificado nos julgados abaixo:
“…a medida não se mostra suficiente à reprovação e prevenção do gravíssimo delito praticado, equiparado a hediondo, ainda que aplicado o redutor e a despeito da Resolução nº 05/2012, do Senado Federal, que afastou a vedação prevista no próprio artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, por entendê-la inconstitucional. não se perca de vista que, ainda que afastada a vedação legal específica, é necessário, para a substituição de pena corporal por restritiva de direitos, qualquer que seja o crime, a verificação dos critérios legais, previstos no artigo 44, do Código Penal, e notadamente que a medida seja suficiente à repressão e prevenção do delito, conforme o inciso III de tal dispositivo legal, o que não se verifica na hipótese, considerando a elevada quantidade de entorpecentes transportada pelos acusados. Sendo assim, a hipótese é mesmo de cancelamento do benefício em tela, nos termos do apelo ministerial. Pelos mesmos motivos, e considerando a natureza do crime, equiparado a hediondo, fica estabelecido o regime inicial fechado, de acordo com a Lei nº 11.464/07, eis que o mais adequado à hipótese em foco para a reprovação e prevenção do crime, anotando-se que regime mais brando geraria sentimento de impunidade.” (Apelação nº 1500359-24.2017.8.26.0536 – Bertioga – Voto nº 31755 4/4)
No caso supracitado, o entendimento proferido no aresto colacionado é que, muito embora o condenado seja primário, de bons antecedentes e não integre grupo criminoso, ainda assim não poderia obter o benefício de substituição de pena corporal pela restritiva de direitos em razão desta não se mostrar suficiente para repressão e prevenção do delito em tela.
A divergência, entretanto, não para por aí.
A 5ª Câmara de Direito Criminal de São Paulo, no julgamento da Apelação 0097015-57.2017 decidiu da seguinte forma em caso onde o juízo de piso converteu a pena privativa de liberdade em restritiva de direitos:
No entanto, merece acolhimento o apelo ministerial para a fixação do regime inicial fechado, de acordo com a Lei nº 11.464/07, pois é o mais adequado à hipótese em foco para a reprovação e prevenção do delito, equiparado aos hediondos, o que está em constância com o artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e a Lei nº 11.464/07, destacando-se que a aplicação da causa de diminuição interfere apenas na quantidade da pena, não na qualificação ou natureza do crime, que continua equiparado a hediondo. Vale destacar, a respeito, que o delito de tráfico de entorpecentes é equiparado a hediondo, nos termos do artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, sem qualquer ressalva, e do artigo 2º, da Lei nº 8.072/90, e tal nomenclatura (“tráfico de entorpecentes”) também engloba, obviamente, a conduta para a qual é aplicada a causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, mesmo porque tal dispositivo traz apenas isso, ou seja, uma causa especial de diminuição de pena, aplicável, como expressamente menciona, aos delitos tipificados no caput e no § 1º do mesmo artigo 33, e não prevê crime diverso daquele, não havendo falar, portanto, em “tráfico privilegiado”, como alega a Defesa.
Finalmente, a substituição da corporal por restritivas de direitos é medida insuficiente à reprovação e prevenção do grave crime praticado, e, de qualquer forma, incompatível com o delito de tráfico de entorpecentes, equiparado a hediondo, ainda que aplicado o redutor e a despeito da Resolução nº 05/2012 do Senado Federal, que afastou a vedação prevista no próprio artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, por entendê-la inconstitucional, pois a medida não se mostra suficiente à reprovação e prevenção do gravíssimo delito praticado.
Aqui, como observamos, negou-se inclusive a existência do chamado “tráfico privilegiado”, tergiversando no sentido de que o reconheci mento da inconstitucionalidade a despeito da vedação prevista no §4º do Art. 33 da Lei 11.343 (vedação a substituição em pena restritiva de direitos) não retirou sua natureza hedionda prevista no art. 2º da Lei 8.072/90 e em consonância com a regra prevista no Art. 5º, XLII da Constituição Federal.
No julgamento da apelação 0010410582016 o mesmo entendimento é reproduzido pelo 5ª Câmara de Direito Criminal do E. TJSP:
A substituição da privativa de liberdade por restritivas de direitos foi bem rechaçada pela sentença, pois, a despeito de o quantum permiti-la, em princípio, a medida também não se mostra suficiente à reprovação e prevenção do gravíssimo delito praticado, equiparado a hediondo, ainda que aplicado o redutor e a despeito da Resolução nº 05/2012, do Senado Federal, que afastou a vedação prevista no próprio artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, por entendê-la inconstitucional
A 4ª Câmara de Direito Criminal do E.TJSP, por sua vez, afasta a incidência da Inconstitucionalidade reconhecida no HC/RS 97.256 e Resolução nº 05 do Senado Federal, entendendo como válida a vedação à substituição de pena privativa de liberdade por privativa de direitos prevista no §4º do Art. 33 da Lei 11.343.
Veja:
Inviável a conversão da pena privativa de liberdade em penas restritivas de direitos, neste caso, como requer a D. Defesa do embargante. Isto porque, ainda que haja entendimento jurisprudencial em sentido contrário e mesmo que nos autos do Habeas Corpus nº 97.256, a expressão “vedada a conversão em penas restritivas de direitos” tenha sido incidentalmente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, sendo promulgada a Resolução nº 05/2012 pelo Senado Federal, o meu entendimento continua a ser no sentido da impossibilidade da referida conversão.
E, no mesmo sentido, outras tantas decisões seguiram no sentido de que, muito embora aplicada a causa redutora da pena prevista no §4º do Art. 33 da Lei 11.343, a natureza hedionda do tráfico de drogas impediria a fixação de regime inicial de cumprimento de pena diverso do fechado.
Entretanto, em brilhante fundamentação trazida pelo E. Ministro Edson Fachin, em uma profunda investigação à despeito do alcance da Lei 8.072/90, notadamente ao proferir seu voto no HC 118.533 entendeu que a natureza hedionda estampada no artigo 2º não alcança o chamado tráfico privilegiado, não se coadunando a severidade da hediondez prevista no dispositivo citado com o princípio da proporcionalidade decorrente da imposição normativa e o delito tipificado no art. 33 da lei 11.343 com a minorante prevista em seu §4º.
Desta forma, restou afastada a natureza hedionda do Tráfico privilegiado conforme poderemos atestar:
Considerando que a intensidade do tratamento penal deve guardar uniformidade por parte do legislador, à luz das demais respostas penais e institutos processuais, depreendo que a equiparação a crime hediondo não alcança o delito de tráfico na hipótese de incidência da causa de diminuição em exame.
Ao contrário, visto que tal consequência jurídica se amolda ao espírito da causa de diminuição, destinada a conferir tratamento penal diferenciado ao agente episódico consistente em rigor arrefecido que destoa das características inspiradoras dos delitos hediondos e equiparados.
É nessa linha que, no caso do tráfico de drogas, o encarceramento não é uma opção legislativa marcante na hipótese de agentes episódicos, âmbito normativo que não pode ser desprezado no momento de concretização do programa da norma.
Com efeito, não observaria a Constituição e a unidade do sistema jurídico a norma que atribuísse hediondez dissociada das demais nuanças da infração penal, as quais, repita-se, derivam das demais decisões políticas do próprio legislador. Nesse contexto, a partir de um juízo conglobante, compreendo que não se verifica hipótese de hediondez equiparada.
Diante da expressividade da minorante, bem como que se trata de norma excepcional e que, portanto, desafia interpretação restritiva, e na linha do bem lançado voto do eminente Ministro Gilmar Mendes, compreendo que o legislador não desejou incluir o tráfico minorado no regime dos crimes equiparados a hediondos, tampouco nas hipóteses mais severas de concessão de livramento condicional, caso contrário, o teria feito de forma expressa e precisa.
Além disso, a avaliação sistemática, sob o prisma da proporcionalidade, reforça essa conclusão. Em suma, após o intercâmbio dialógico levado a cabo nesta Corte sobre a matéria em pauta, pedindo vênia às compreensões que se formaram em sentido diverso, averbo que concluí no sentido da não equiparação do também (e impropriamente) denominado “tráfico privilegiado” aos delitos hediondos, sendo, assim, passível de indulto, como faculdade expressa no art. 84, inciso XII, da Constituição da República.(Grifos adicionados)
As brilhantes conclusões declinadas, entretanto, não possuem efeito erga omnes, de modo que, caberá a defesa criminal de cada acusado, buscar o benefício de forma incansável em todas as instâncias, fazendo prevalecer o entendimento consolidado no aresto supracitado.
Igualmente, o reconhecimento da inconstitucionalidade da vedação prevista no §4º do Artigo 33 da Lei 11.343 que impede a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos deve prevalecer ainda que, conforme vimos, sobrevenham decisões em sentido contrário, afrontando literalmente o entendimento proferido pela Corte Maior no julgamento do Habeas Corpus 97.256 pelo Plenário.
Caberá, ao advogado criminalista incumbido de apresentar a defesa em acusação por tráfico de drogas valer-se dos remédios jurídicos disponíveis para impedir excessos e injustiças à despeito de condenações por tráfico de drogas, notadamente quando o condenado for primário, possuir bons antecedentes e não integrar grupos criminosos e que, invariavelmente, por meio das medidas punitivas aplicáveis ao caso, farão cumprir seu ideal de punição e ressocialização desejados, não submetendo o infrator de primeira viagem, em sua infeliz primeira tentativa, aos malefícios do cárcere ou até mesmo sua associação com outros criminosos contumazes.
Entendo, como advogado criminalista, que não cabe ao juiz negar a vigência de determinada norma legal à sua conveniência, mas submeter-se e à todos seus jurisdicionados a ela, notadamente aquelas já submetidas ao crivo dos tribunais superiores e que receberam a devida e correta significação.
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